Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Desde que assumiu o governo em Janeiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que sua política externa tinha um eixo central: o alinhamento praticamente automático com os Estados Unidos que, defendia, só traria benefícios para o Brasil, mas quase um ano depois, o país colhe muito mais frustrações e perdas do que vitórias.
A decisão anunciada nesta segunda-feira pelo presidente norte-americano Donald Trump de voltar a taxar o aço e o alumínio brasileiro caiu como uma ducha gelada --e sem aviso-- na proclamada relação direta entre Trump e Bolsonaro.
Dentro do governo, o anúncio feito pelo Twitter, foi visto com cerca perplexidade. Duas fontes questionaram o argumento do presidente norte-americano, de que o Brasil estaria desvalorizando propositadamente o real.
"No Brasil, o câmbio é flutuante e não há manipulação como Trump diz. Mas ele é muito imprevisível e acho que eleições lá estão ditando decisões", disse uma das fontes.
A avaliação é de que seria um "fato pontual", ligado a questões internas relacionadas às eleições presidenciais nos EUA no ano que vem, quando Trump buscará a reeleição, mas que não chegaria a ameaçar as negociações de um eventual acordo comercial --que, na verdade, ainda não tem nem mesmo um horizonte definido para além da vontade do Brasil, que vem cedendo em várias temas na tentativa de ganhar a boa vontade de Washington.
Nestes 11 meses, o governo brasileiro, ainda em março, concordou em implementar uma cota de importação de 750 mil toneladas de trigo sem tarifas, o que beneficia diretamente os produtores norte-americanos. Na época, um dos negociadores brasileiros afirmou que a medida serviria para mostrar que o Brasil estava disposto a realmente negociar.
Em setembro deste ano, foi a vez do etanol. Apesar dos protestos dos produtores brasileiros, o país aumentou, a pedido dos EUA, a cota de importação sem impostos de etanol de 600 milhões para 750 milhões de litros --fato comemorado por Trump em seu Twitter.
O Brasil também concordou em sair da lista de países com tratamento diferenciado da Organização Mundial do Comércio (OMC), a pedido dos norte-americanos, em troca do apoio de Washington à adesão rápida do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
O retorno, no entanto, foi de frustrações. O governo brasileiro esperava um apoio definitivo dos norte-americanos na reunião da OCDE em outubro, o que não veio. Ficou apenas a explicação de que o Brasil era "o próximo na fila" e o governo Trump iria sim apoiar quando chegasse a vez.
O Brasil também não conseguiu convencer os EUA a derrubarem o veto às exportações de carne bovina brasileiro. O mercado norte-americano está fechado há dois anos para os produtores brasileiros. O pedido foi feito pessoalmente por Bolsonaro a Trump na visita aos EUA em março mas, mesmo depois de duas visitas sanitárias, mais uma viagem ministerial e nove meses de negociações, o veto segue.
O pedido de que os EUA retirem taxas para a exportação de açúcar brasileiro, uma negociação que inicialmente vinha sendo feita em conjunto com a de importação do etanol, também não avançou.
Politicamente, o Brasil conseguiu dos norte-americanos ser designado como aliado preferencial da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o que pode se reverter em acesso a tecnologias e espaço para aumento do comércio de materiais de defesa, mas ainda sem efeitos práticos.
GESTOS SEM RESPOSTA
Apesar da proclamada melhoria nas relações políticas, o comércio não traduz grandes benefícios para o Brasil. As exportações brasileiras cresceram apenas 450 milhões de dólares --2,04%-- entre 2018 e 2019, se comparados os períodos de janeiro a outubro, segundo dados consolidados do Ministério da Economia.
O Brasil ainda mantém um déficit comercial com os Estados Unidos, que até outubro deste ano já chegava a 1,13 bilhÃO de dólares.
"Países não têm amigos, têm interesses. A relação tem que ser feita em torno dos nossos interesses. Não é possível ficar pensando que relação pessoal resolva esses problemas", disse à Reuters o embaixador Rubens Barbosa, que chefiou a embaixada do Brasil em Washington no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Barbosa lembra que o governo brasileiro fez diversos gestos para melhora a relação com os EUA --não apenas na economia--, mas colheu muito pouco.
"Fica o governo brasileiro fazendo gestos e mais gestos em relação a um alinhamento à política americana, quando interesses brasileiros concretos são contrariados. O interesse nacional tem que estar acima de ideologias", critica.
A taxa sobre o aço brasilero foi implementada no início de 2018, mas suspensa depois de uma longa negociação ainda no governo do ex-presidente Michel Temer. A decisão de Trump de voltar agora com a barreira tarifária contra o Brasil foi justificada por uma suposta política brasileira de desvalorização proposital do real, o que nunca aconteceu.
"Essa alegação é um absurdo completo, não tem nenhuma base na realidade, nem aqui, nem na Argentina", disse a Reuters o embaixador José Alfredo Graça Lima, ex-subsecretario de Assuntos Econômicos do Itamaraty e perito da OMC. "A questão dos Estados Unidos é o preço do aço."
Graça Lima lembra que a indústria siderúrgica norte-americana é "problemática" e sofre com questões ligadas à competitividade.
"Os americanos, na verdade, se consideram muito mais obrigados com seus setores do que com qualquer aliança. E em matéria siderúrgica, os EUA não têm qualquer compromisso com seus parceiros. Seria ilusório esperar qualquer tipo de tratamento diferenciado", explicou.
Os EUA são o maior comprador de produtos siderúrgicos do Brasil, mas os valores caíram entre 2017 e 2018. Foram 6,6 milhões de toneladas em 2017 --3,85 bilhões de dólares-- e 6 milhões de toneladas em 2018 --com 2,8 bilhões de dólares--, de acordo com dados do Instituto Aço Brasil.
(Reportagem adicional de Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro)