Por Roberto Samora e Fernando Cardoso
SÃO PAULO (Reuters) - Carregamentos de carne bovina brasileira, estimados em até 70 mil toneladas, estão parados nos portos chineses à espera de uma solução para um impasse relacionado a um embargo anterior decorrente de um caso atípico de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), conhecida como doença da "vaca louca", no Brasil.
Enquanto isso, as cargas de carnes produzidas há meses aguardam para entrar no país asiático. A situação motivou até mesmo uma ligação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o seu colega chinês, Xi Jinping, em uma tentativa de resolver a situação, disse o próprio governante brasileiro durante um evento na Bahia, nesta terça-feira.
O Brasil suspendeu a produção de carne bovina para a China após o relato de um caso de EEB em 23 de fevereiro, mas a produção certificada para embarque ao país asiático antes daquela data continuou sendo embarcada, sob o risco de ter a entrada proibida no território chinês, o que acabou acontecendo.
Um mês depois, em 23 de março, a China concordou com a retomada das exportações de carne bovina do Brasil, que tem no país asiático seu principal cliente, com compras de mais de 60% do total exportado em 2022 pelos brasileiros.
Os embarques foram retomados após o fim do embargo, estabelecido entre os dois países quando há EEB atípica. Mas isso não resolveu a situação daqueles lotes embarcados durante o período da proibição, embora as exportações posteriores a 23 de março não enfrentem qualquer problema.
Segundo Lula, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, informou que há "70 mil toneladas de carne parada dentro de contêineres nos portos da China".
O presidente revelou ainda, durante uma feira agropecuária na Bahia, que Fávaro lhe disse esta semana que o produto foi enviado "fora de data", e que pouco poderia ser feito, após o ministro ter conversado com seu colega chinês.
"Errado ou não, nós temos o oceano Atlântico cheio de contêineres brasileiros com carne. Eu precisei pegar o telefone e ligar para o presidente Xi Jinping", disse Lula.
"Eu não quero saber se o cara que tem o contêiner votou ou não votou no Lula, ou se anulou o voto. Eu quero saber que ele é brasileiro e que está exportando um produto brasileiro, e que ele tem o direito de ganhar o dinheiro pelo produto que ele produziu...", acrescentou.
O volume citado pelo presidente, que estaria nos contêineres que aguardam liberação para ingressar na China, é representativo, considerando as exportações mensais do Brasil.
Em maio, o Brasil exportou cerca de 170 mil toneladas de carne bovina in natura para todos os destinos, contabilizando um aumento nas exportações totais de cerca de 16 mil toneladas ante o mesmo mês de 2022.
Segundo uma fonte do setor, que falou na condição de anonimato, o acordo com a China prevê a interrupção de exportações em caso de EEB, e isso foi cumprido. Mas o pacto não vale para cargas certificadas antes do embargo.
"Foi o que aconteceu, na data do anúncio, 23 de fevereiro, a produção para a China foi interrompida. A partir disso o Ministério da Agricultura não certifica mais nada. O que acontece é que existe um volume que foi produzido antes de 23/02, mas que foi embarcado depois desse dia", explicou.
"Os chineses acham que o Brasil descumpriu o acordo porque continuou embarcando... mas o acordo é em relação à produção, e não ao embarque...", explicou.
Esse mesmo impasse foi registrado 2021, quando dois casos atípicos de EEB foram registrados no Brasil, e houve um embargo temporário para exportar à China. Naquela oportunidade, as autoridades alfandegárias chinesas acabaram aceitando as cargas, após ações do governo brasileiro.
O volume parado naquela oportunidade era de 100 mil toneladas.
Segundo a fonte do setor, que evitou falar em volumes parados agora nos portos chineses, exportadores aguardam uma decisão da China.
"O Ministério da Agricultura e o governo de forma geral estão empenhados num processo de convencimento técnico de que não há motivo para não deixar essa carne entrar", comentou.
O impasse, acrescentou a fonte, não tem afetado novos embarques. "Tudo o que foi embarcado depois da reabertura não tem problema nenhum em entrar", frisou.
Segundo a diretora da consultoria Agrifatto, Lygia Pimentel, o mercado fala que o volume parado nos portos da China é algo entre 40 mil e 70 mil toneladas.
"Não dá pra saber exatamente o que está esperando lá ainda e o que já voltou ou foi realocado", disse ela, considerando que parte das cargas pode ter ido para outros países.
Ela confirmou que aqueles carregamentos permanecem parados, enquanto chineses afirmam que não aceitariam aqueles lotes, que teriam de voltar ou ser encaminhados para outros destinos.