Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Com as mudanças climáticas, obter uma maturação uniforme do cafezal tem sido cada vez mais difícil, o que complica a vida de cafeicultores no Brasil que querem produzir lotes premium com grãos vermelhinhos, os chamados cerejas.
Mas uma pesquisa iniciada pela Universidade Federal de Lavras-MG (Ufla) encontrou uma forma de produzir cafés de qualidade com colheita de até 50% de frutos verdes, algo inimaginável, considerando as práticas tradicionais.
A técnica permite que cafeicultores não tenham de esperar um amadurecimento mais geral nas lavouras --espera essa que resulta em mais grãos vermelhos, mas também em perdas como efeito colateral, com grãos caídos no chão ou secos nos pés, devido à desuniformidade da maturação.
A partir do trabalho da Ufla em parceria com a Nucoffee, plataforma de soluções aos produtores da Syngenta, foi desenvolvido um processo de pós-colheita dos grãos verdes que promete dar aos agricultores uma alternativa de produzir um bom café, mesmo que feito a partir de matéria-prima não madura, em boa parte.
"Decidimos inovar, teria de pensar fora do que se fez em 170 anos de estudos de café. É uma inovação de ruptura, pois quebra conceitos estabelecidos há muitos anos", disse o professor da Ufla Flávio Meira Borém, lembrando que a ideia dominante é de produção de um bom café com grãos maduros.
A bebida, apresentada ao público no seminário internacional do café, no Guarujá (SP), ainda traz maiores benefícios à saúde, uma vez que os grãos verdes contêm mais compostos fenólicos, que são antioxidantes, antinflamatórios e minimizam riscos de obesidade, disseram Ufla e Nucoffee.
"Soluciona o lado do produtor e do consumidor", ressaltou Borém, no evento no litoral paulista, por onde o país exporta a maior parte do seu café.
Ele não revelou o processo para tornar o café verde menos adstringente, aquela sensação de "amarrar a boca". Uma prova durante o evento mostrou que a bebida é agradável até mesmo para o café conilon, que tende a ser mais amargo que o arábica.
Segundo o professor, o café Nutracêutico (pelo uso de conceitos de nutrição e farmacêutica) tem patente licenciada para a Nucoffee, o que o impede de revelar detalhes. Mas disse que já há uma produção piloto em escala, e estudos e testes comprovam os resultados pretendidos.
"Para os produtores, a iniciativa permite a antecipação da colheita, colhendo café com até 50% de grãos verdes, e na sequência padronizar a maturação, reduzindo a quantidade de café no chão, e no ano seguinte há uma lavoura muito mais produtiva, porque vamos liberar a produção da planta...", disse.
Borém citou estimativas que indicam que 13% dos grãos de café caem antes da colheita, enquanto produtores esperam uma maior maturação --um problema que seria minimizado com a coleta dos grãos antes de um maior amadurecimento.
Juan Gimenes, gerente de Inovação da Nucoffee, disse à Reuters que a companhia já identificou interesse de produtores em adotar o processo de pós-colheita dos grãos verdes para a fabricação do café Nutracêutico.
CONSUMIDOR
Do ponto de vista do consumidor, disse o pesquisador da Ufla, a inovação traz "um fornecimento consistente de um café totalmente diferenciado não apenas pelo seu sensorial".
"Em prova cega, maioria dos degustadores falará em 83 pontos, mas o café tem doçura diferenciada com 50% de frutos verde e com alto benefício à saúde", disse ele, lembrando que geralmente tal pontuação não é obtida com uma colheita não madura.
O processo com o uso de mais grãos verdes também permite a produção de uma saborosa infusão com a polpa desidratada do fruto, um subproduto do café que normalmente é jogado fora. A bebida é servida como um chá gelado, para ser apreciada também sem açúcar.