Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Aquele produtor de café do Brasil que se empolgou com vendas antecipadas para 2021 pode ter dificuldades para cumprir entregas, caso a safra do próximo ano tenha uma quebra expressiva ou problemas de qualidade como alguns comentam, avaliou nesta terça-feira um especialista do Itaú BBA.
O banco de investimentos trabalha com cenários que apontam uma quebra de 14% e 21% na próxima temporada (2021/22), em função de chuvas inferiores à média e do ano de baixa no ciclo bienal de produção do grão arábica.
"O sul de Minas (principal região produtora) foi muito castigado, se ele (produtor) vendeu 50% (antecipadamente), ele vai passar um 'calor'. É mais neste sentido que pode ter alguma dificuldade", afirmou o consultor de Agronegócios do Itaú BBA, César de Castro Alves, durante evento online com jornalistas.
Já o diretor da Associação dos Cafeicultores do Brasil (Sincal), Marco Antônio Jacob, explicou à Reuters, separadamente, que a quebra de safra devido à severa seca poderá levar ao cancelamento de contratos em comum acordo entre as partes ("washouts") ou mesmo ao não cumprimento de contratos ("defaults"), em casos mais extremos, por parte de produtores.
Jacob disse que no caso do "washout", uma operação prevista nos mercados de commodities, o produtor recompra o seu contrato e paga uma diferença ao comprador.
Mas o dirigente do Sincal avalia que a produção cairá tanto em algumas regiões que poderá resultar mesmo em "defaults", devido à falta de produto, o que pode ter desdobramentos em disputas na Justiça.
No início do mês, o Sincal enviou carta a autoridades como a ministra Tereza Cristina apontando uma quebra de cerca de 40% na safra de café arábica do país de 2021.
AINDA É CEDO
Para o especialista do Itaú BBA, contudo, ainda é cedo para saber o tamanho da safra do Brasil, maior produtor e exportador global, em 2021 --a colheita do arábica, em geral, começa em maio.
Alves ressalvou que os produtores, de maneira geral, não comercializaram nem um terço da próxima safra.
"Arriscaria a dizer que não deve chegar a 30%", disse ele, supondo o percentual de vendas futuras referente à colheita do ano que vem.
"(Isso) preocupa em princípio um pouco, mas a gente sabe que tem produtores que podem exagerar na dose (de vendas)", afirmou ele, lembrando que ainda é cedo para apontar o tamanho da redução de colheita do Brasil em 2021 ante 2020, quando o país teve uma de suas melhores temporadas.
Ele disse ainda que, no café, a venda do produto também envolve a qualidade do grão, o que pode adicionar uma dificuldade para cumprimento da entrega.
"E parece que vai ter algum problema", afirmou, apontando floradas "desorganizadas" pelas chuvas irregulares.
"Pode ser que tenhamos uma safra de qualidade um pouco pior, ele (produtor) até consegue colher, mas não tem condições de entregar. Se a qualidade for um pouco pior, essa dificuldade pode vir daí também", ponderou.
O especialista conjecturou que, se o quadro da quebra de safra não for "tão catastrófico", eventuais problemas de entregas do produto já comercializado seriam menores.
Tradicionalmente, lembrou Alves, os cafeicultores não negociam volumes tão expressivos da safra futura, como o setor de grãos, que já comercializou mais de 50% da colheita de soja antes mesmo de o plantio ter sido encerrado, por exemplo.
Embora o Brasil tenha colhido uma grande safra de café e esteja com armazéns cheios, o quadro de oferta é mais apertado em 2021, comentou Alves, o que "pode criar espaço para preços mais firmes".