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ESPECIAL-Água, tecnologia e uma pitada de pimenta: café capixaba deixa a seca para trás

Publicado 16.05.2018, 13:19
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Por José Roberto Gomes

VITÓRIA/SÃO GABRIEL DA PALHA (Reuters) - O produtor de café conilon Júlio Cuquetto, de 55 anos, olha com orgulho para o reservatório construído ano passado na sua propriedade, em São Gabriel da Palha (ES), e não esconde o sorriso ao ouvir a água para irrigação escapando por um vertedouro: "Isso é música pra gente."

A família de Cuquetto é uma das cerca de 78 mil que produzem conilon no Espírito Santo e que, em razão da seca entre 2014 e 2016, dão agora outra dinâmica à atividade com mais reservatórios, diversificação da produção, que inclui seringueiras e pimenta-do-reino, e novas tecnologias.

São mudanças com potencial de levar o Estado, o maior produtor brasileiro de conilon, a superar já em 2019 o recorde de quase 10 milhões de sacas colhidas quatro anos atrás, quando o Brasil ganhou ainda mais relevância no mercado global da variedade e de café solúvel, fazendo concorrência a Vietnã e Indonésia.

A estiagem de anos recentes no Estado, que está começando a colheita de 2018 nesta semana, chegou a cortar a produção capixaba pela metade, impactando negativamente as vendas externas do país, que é o maior produtor e exportador global de café, considerando a variedade arábica.

Mas foi a partir da seca que o setor local se adaptou, tendo no "boom" de represas um dos efeitos mais notórios. Atualmente, 70 por cento da área com conilon no Espírito Santo já é irrigada.

"Hoje são mais de 10 mil barragens regularizadas no Estado, mas em 2014 não chegavam a mil", disse à Reuters o secretário estadual de Agricultura, Ideraldo Lima, destacando a flexibilização para obtenção de licenças para construir açudes e um investimento de 60 milhões de reais do governo local em represas de múltiplos usos.

Para Antônio de Souza Neto, produtor e presidente da Cooabriel, a maior cooperativa de conilon do mundo, a seca do passado ensinou o setor a investir em irrigação, uma proteção contra estiagens no futuro, que pode dar mais estabilidade para a safra capixaba. O próprio cafeicultor construiu mais dois reservatórios em sua propriedade, elevando a cinco o total.

Com 5,5 mil sócios, a Cooabriel tem sede em São Gabriel da Palha, uma cidade de apenas 55 anos que respira café, seja em prédios comerciais que levam a palavra robusta ou conilon no nome, seja em uma estátua que representa um homem peneirando o grão.

Jaéder Fiorentini, produtor de 42 anos que cultiva 95 mil pés de conilon no município, gastou 200 mil reais em um açude de cerca de 160 mil metros cúbicos. Com o investimento, sua fazenda tem, agora, duas barragens.

"Não sei em quanto tempo vou reaver esse dinheiro investido, mas o importante é que essa represa me traz segurança", disse, destacando que os recursos usados por ele e por outros produtores partiram de linhas como Pronamp e Pronaf, que têm prazos estendidos para pagamento e juros subsidiados.

PIMENTAS E CAFÉ RESISTENTE

O produtor Cuquetto não gosta de lembrar a produção de apenas 24 sacas que obteve no ano passado, ainda como reflexo da seca de safras anteriores, contra mais de 500 antes da estiagem.

Para 2018, espera que seus 33 mil pés deem algo entre 350 e 400 sacas, graças à normalização das chuvas, mas, por segurança, passou a apostar também em outras culturas.

"Tem seringueira, uma moitinha de pimenta-do-reino...", comentou ele, que personifica outra tendência entre os produtores de conilon do Espírito Santo: a diversificação de produção como forma de gerar fluxo de caixa e manter algum capital.

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a área colhida com pimenta-do-reino no Espírito Santo deve ir a 11 mil hectares em 2018, de 2,7 mil em 2014, antes dos efeitos da seca.

Outras culturas também apresentam expansão no período, como a banana (alta de 11,2 por cento) e a seringueira, fonte do látex usado para a fabricação de borracha (mais de 10 por cento).

Refletindo em parte essa diversificação, em parte a seca, a área de conilon registra queda de 8 por cento entre 2014 e 2018, para 267 mil hectares, embora a cultura ainda figure como carro-chefe da agricultura capixaba, com 80 por cento dos produtores rurais do Estado cultivando o café.

Apesar da queda, especialistas afirmaram que a produção nos próximos anos deverá se recuperar fortemente devido a novas áreas plantadas com variedades mais produtivas, que substituiriam os pés de café velhos afetados pela seca.

"O produtor agora se baliza na questão dos custos, em fazer uma gestão melhor da propriedade, na necessidade da questão ambiental... E uma pequena área de outra cultura dá subsistência a ele. Ao diversificar, ele distribui a renda", disse o coordenador técnico de cafeicultura do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), Carlos Verdin Filho.

Com 61 anos de existência, o instituto do governo lançou em novembro de 2017 uma nova variedade de conilon resistente à seca, a chamada "Marilândia ES8143", uma referência ao município onde se localiza o viveiro utilizado na pesquisa do cultivar clonal.

Trata-se da segunda variedade do tipo criada pelo Incaper, "mas com potencial de produção 28 por cento maior e melhor qualidade de bebida", destacou Verdin Filho, em referência à novidade que promete impulsionar a produção do Estado, associada aos novos plantios.

Segundo Verdin Filho, os trabalhos em torno dessa tecnologia se intensificaram justamente após a estiagem. Por ora, tal café está sendo reproduzido em viveiros, e a expectativa é de que comece a ser plantado no próximo ano.

ESPERANÇAS

Dada a nova dinâmica de produção, os cafeicultores capixabas estão animados com a perspectiva de safra deste ano, que pode aumentar para mais de 8 milhões de sacas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) --a estatal deve atualizar os números na quinta-feira.

O volume não superaria o recorde de 2014, mas as fichas têm sido depositadas no próximo ciclo, quando os cafezais replantados ou podados após a seca começarem a produzir com mais vigor --entre Colatina e São Gabriel da Palha, um importante eixo produtor no Espírito Santo, há várias áreas com pés de café que mal passam dos 50 centímetros.

"Das lavouras que sentiram, uma parte foi erradicada, voltou a ser plantada no ano passado e vai produzir só no próximo. A verdade é que a grande safra de café do Espírito Santo, se tudo continuar como está, será em 2019. Aí sim haverá uma grande safra de conilon", afirmou Souza Neto, da Cooabriel, sem projetar um volume.

Enquanto isso, os sinais de que os tempos difíceis ficaram para trás começam a ser sentidos na economia local.

"A expectativa é grande, deve ser uma festa, talvez as vendas aumentem em 50 por cento nos próximos meses", afirmou Gustavo Loss, consultor de vendas em uma concessionária de veículos em São Gabriel da Palha.

"Já tem uns dois meses que as vendas cresceram uns 15, 20 por cento", acrescentou Kivia Pedro, que trabalha em uma loja de departamentos na cidade.

A prefeita do município, Lucélia Ferreira (Solidariedade), ressaltou que o café é a "mola-mestre" de São Gabriel da Palha e que os problemas nos últimos anos, somados à crise econômica do país, impediram a prefeitura de fazer investimentos maiores.

"Mas isso vai mudar, vamos voltar a crescer", afirmou ela, também produtora, com 205 mil pés no município.

PREÇO PREOCUPA

Se tem algo que os produtores capixabas não comemoram em meio a essa recuperação de produção, é o preço.

As cotações do conilon, que chegaram a superar 550 reais por saca em 2016, no momento mais agudo da seca, caíram para 300 reais em fevereiro último e estão, atualmente, em torno de 330 reais, conforme monitoramento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP.

A retração reflete a própria perspectiva de maior oferta, mas os preços têm se mantido acima do custo de produção, de 276 reais por saca em propriedades com média de 40 sacas por hectare, segundo cálculos da Cooabriel.

© Reuters. .

De acordo com o presidente do Centro do Comércio de Café de Vitória (CCCV), que reúne os principais comercializadores da commodity, Jorge Nicchio, mesmo com a entrada da nova safra, os preços não devem apresentar volatilidade expressiva em 2018.

"O produtor não está tão apavorado em vender neste ano, já que está mais capitalizado. Para ele, será importante dosar a venda. Sabe que se fizer uma oferta muito grande, vai prejudicar a si próprio. Não acredito em grandes oscilações de preços", destacou ele na sede do CCCV, na capital do Estado.

O Espírito Santo dará início oficial à colheita da safra 2018 de conilon na próxima sexta-feira, buscando deixar a seca para trás e focando em uma cultura que, como disse Fiorentini, "corre na veia do produtor capixaba".

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