SÃO PAULO/RIO DE JANEIRO (Reuters) - Dois navios de bandeira iraniana que trouxeram ureia ao Brasil e pretendiam retornar ao Irã carregando milho brasileiro estão parados ao largo do porto de Paranaguá (PR) desde o início de junho, com dificuldades de obter combustível para a viagem ao país asiático devido às sanções norte-americanas à república islâmica.
Os EUA têm ampliado suas sanções contra o Irã neste ano, visando atingir setor petrolífero do país. Isso atrapalhou o reabastecimento dos navios, com a estatal Petrobras (SA:PETR4) recusando-se a vender combustível por temer represálias ao violar as regras norte-americanas.
Os iranianos são os maiores importadores de milho do Brasil e também estão entre os principais compradores de soja e carne bovina. Embora alimentos não sejam o foco das sanções dos EUA, o caso levanta alguma preocupação sobre as exportações do agronegócio ao país islâmico.
O navio Bavand já carregou cerca de 50 mil toneladas de milho, em maio, no porto catarinense de Imbituba, enquanto o Termeh deveria chegar em meados de julho ao local para carregar 66 mil toneladas do cereal, de acordo com informações de agentes do setor portuário.
Ao menos um outro navio iraniano, o Daryabar, que está na mesma lista de sanções, carregou milho em Imbituba em junho e partiu, segundo documento de agência marítima, que aponta também que outra embarcação do Irã sancionada, a Ganj, deve carregar o produto em agosto.
Outras embarcações com milho brasileiro vendido ao Irã, transportado em navios afretados por outras companhias multinacionais de outras nações, deixaram o país sem problemas recentemente, segundo os dados marítimos.
A notícia sobre o problema relacionado ao combustível surpreendeu a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
"Completa surpresa, os navios das nossas exportadoras continuam exportando normalmente, qualquer sanção em comida está fora. Diria que não espero impacto (na exportação de milho e soja do Brasil), comida está fora dessa história, alimento está fora de qualquer processo de sanção", afirmou o diretor-geral da Anec, Sérgio Mendes, à Reuters, ao ser consultado.
Ele disse acreditar que o apontado problema de combustível com os dois navios seja um caso isolado. "Tanto que os navios dos nossos associados estão carregando normalmente", reiterou.
Procurada, a Petrobras informou em nota nesta quinta-feira que os navios encontram-se sancionados pelos EUA, e por isso não está fornecendo o combustível solicitado, sob pena de a petroleira vir a ser punida pelo governo norte-americano, que também incluiu a ureia importada pelo Brasil na lista de sanções implementadas por conta do programa nuclear iraniano.
"Caso a Petrobras venha a abastecer esses navios, ficará sujeita ao risco de ser incluída na mesma lista, sofrendo graves prejuízos decorrentes dessa sanção", disse a Petrobras em nota, acrescentando que "existem outras empresas capazes de atender à demanda por combustível".
Não ficou imediatamente claro por que os navios ainda não partiram de volta e se outras companhias não querem fornecer o combustível também por temores de enfrentarem sanções dos EUA.
A Sapid, dona dos navios, não respondeu a pedidos de comentários.
O caso, com um navio de um país sancionado tentando comprar combustível da Petrobras durante sua rota de passagem pelo Brasil, trata-se de algo inédito, de acordo com uma fonte na estatal.
"O Irã é um país sancionado... Nós temos ações na Bolsa de Nova York. Sendo assim, a Petrobras fica impedida de negociar com empresas/países sancionados. Essa é uma questão jurídica internacional relevante", disse a fonte, que falou sob a condição de anonimato.
O caso ocorre ainda em momento em que as relações entre Brasil e EUA estão mais próximas, com o presidente Jair Bolsonaro buscando maior aproximação com o país governado por Donald Trump.
De acordo com outra fonte da Petrobras, a empresa teve de recorrer de decisão judicial no Brasil para manter sua posição de não fornecer o combustível aos navios iranianos.
No primeiro semestre de 2019, o Irã importou cerca de 2,5 milhões de toneladas de milho do Brasil, praticamente o mesmo volume importado no mesmo período do ano passado, de acordo com dados do governo brasileiro.
O país asiático, além de ser o maior importador de milho brasileiro, é um dos principais clientes da indústria de soja, tendo importado no mesmo período 1,25 milhão de toneladas, ante aproximadamente 1 milhão no mesmo período do ano passado.
(Por Marta Nogueira e Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro, e Roberto Samora e Marcelo Teixeira, em São Paulo; edição de Luciano Costa)