SÃO PAULO (Reuters) - As denúncias contra o presidente Michel Temer deixaram o mercado de soja brasileiro nervoso, na medida em que o dólar mais forte ante o real favorece vendas de produtores no país, um movimento que por outro lado pressionou para baixo as cotações na bolsa de Chicago nesta quinta-feira.
Analistas e produtores consultados pela Reuters nesta quinta-feira disseram que negócios de soja foram registrados em várias praças do Brasil, o maior exportador global da oleaginosa, mas não na intensidade da disparada do dólar, até por conta da queda nos preços na bolsa dos EUA, referência global.
"O mercado foi bastante nervoso... Uma hora Chicago com 20 (pontos) de baixa, outra com 30 de baixa... dólar estava a 3,39 reais, depois 3,33. Portanto, os níveis de preços e negócios mudavam de acordo com o momento e conjugação de soja (em Chicago) e dólar", disse o consultor da corretora paranaense Cerealpar, Steve Cachia.
"Rodou (negociação) em todas as praças, mas não muito", acrescentou o consultor Fernando Muraro, da AgRural.
As vendas de soja no Brasil têm sido mais lentas na safra 2016/17, em um mercado de preços mais baixos devido a safras recordes. E produtores no país estavam apenas esperando alguma oportunidade de fechar negócio, que veio com o câmbio nesta quinta-feira, que impulsionou os preços em reais.
O dólar subiu quase 10 por cento na máxima, a 3,44 reais, enquanto o contrato julho da soja em Chicago caiu mais de 3 por cento, limitando ganhos maiores nos preços em reais e consequentemente um volume ainda maior de vendas. Ao final, a moeda norte-americana teve alta acima de 8 por cento.
"Os produtores de Mato Grosso estão vendendo, tirando vantagem do aumento do preço. Alguns estão conseguindo 3 a 4 reais a mais por saca hoje. Eu ouvi negócios a 59 e 60 reais por saca", disse à Reuters o presidente da associação de produtores Aprosoja, Endrigo Dalcin, do Estado que responde por quase 30 por cento da safra da oleaginosa do Brasil.
O professor da Esalq/USP e pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Lucílio Alves, lembrou que foi um ano de vendas antecipadas menores, por conta da safra recorde, uma vez que os produtores têm em mente as cotações mais altas do ano passado e resistem em realizar negócios a valores mais baixos.
"Ele vai segurando o máximo possível, com as altas, o mercado começa a mudar de ânimo, começam a aparecer vendedores, mas nada exagerado. E de forma geral o mercado é mais comprador do que vendedor nas últimas semanas... E essa reação que ocorre no câmbio muda o cenário do novo, isso respalda na paridade de exportação, eleva os valores...", declarou.
O pesquisador citou que o mercado ficou praticamente parado, segundo agentes consultados mais cedo pelo Cepea, com os participantes avaliando as condições.
"Acho que os eventos de ontem e de hoje complicaram a história e o mercado vai ficar parado, para ver o que acontece na semana que vem", continuou Alves, acrescentando que a crise política tende a elevar os preços em reais pelo câmbio, favorecendo os produtores, mas também pode gerar pressões inflacionárias.
CAFÉ E AÇÚCAR
De acordo com Alves, muitos participantes do agronegócio do Brasil buscam acelerar as exportações em momentos de dólar forte para embolsar mais reais.
O dólar mais forte no Brasil também deixa o país mais competitivo, com os produtos ficando mais baratos para importadores, o que acaba afetando outros mercados em que o Brasil é líder na exportação, como café e açúcar.
O café arábica para julho fechou em queda de 4,75 centavos, ou 3,5 por cento, a 1,2965 dólar por libra-peso, enquanto o açúcar bruto para julho fechou em queda de 0,27 centavo, ou 1,7 por cento, a 16,03 centavos por libra-peso, após atingir 15,58 centavos.
Mas um negociador de café no mercado físico em Minas Gerais afirmou que a queda nos futuros se deu mais em função do câmbio, num ano que a safra de café vai cair mais de 10 por cento no país, um mercado que vive uma situação de oferta diferente do da soja.
"Origem não está vendendo, nada. Mercado caiu puxado pela moeda mesmo. Mas você vê que pelo que a moeda caiu, o mercado caiu menos. Mercado físico está paralisado", declarou Thiago Cazarini.
"Não tem nem indicação de mercado físico. Produtor não é bobo, ele vê o dólar subindo e espera pra ver se sobe mais. O mercado não está fluindo. Tem café novo aparecendo pra venda, mas não tem saído negócio", acrescentou.
(Por Roberto Samora, Marcelo Teixeira e Ana Mano)