Por Jessica Bahia Melo
Investing.com - O pico da inflação nos Estados Unidos era esperado, mas o indicador divulgado nesta quarta-feira, 13, veio ainda pior do que o mercado estimava e dá indícios sobre as próximas decisões em relação às taxas de juros definidas pelo Federal Reserve, o banco central americano. A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) atingiu de 9,1% em doze meses, após uma alta mensal de 1,3% em junho. O indicador acelerou em relação ao mês de maio, que chegou a 1% na análise mensal e 8,6% na anual.
De acordo com comunicado do Bureau of Labor Statistics, o aumento foi amplo, com os índices de gasolina, moradia e alimentação como os maiores “vilões” da inflação. “O índice de energia subiu 7,5% no mês e contribuiu com quase metade de todos os itens aumentando, com o índice da gasolina subindo 11,2% e os outros principais índices de componentes também subindo. O índice de alimentação subiu 1,0%, assim como o índice de alimentação em casa”, detalha o documento.
Já o núcleo da inflação, que exclui preços voláteis, como commodities e alimentos, registrou alta de 0,7% em junho, levando o indicador a 5,9% em doze meses. O valor mensal supera os 0,6% de maio, mas o núcleo em doze meses fica abaixo dos 6% revisados no mês anterior.
Para Robson Gonçalves, economista e professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), há grandes chances de que o indicador atinja a marca de dois dígitos nos próximos meses.
“Esse é o resultado da combinação de rápida recuperação da demanda pós-vacinação com a desorganização persistente nas cadeias de suprimento. Esta última, por sua vez, vem sendo afetada pela continuidade dos lockdowns na China e não se sabe quando será superada.
Nesse cenário, é certo que o Fed continuará o ciclo de alta de juros, talvez de forma mais agressiva”, diz Gonçalves.
Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos, destaca que o dado é bastante negativo e o mercado reage com fortes quedas nas bolsas, assim como o dólar ganha força contra emergentes.
“O dado superou as expectativas. Nos últimos 40 anos, não houve inflação em doze meses tão alta por lá. O que preocupa é o fato de a inflação seguir bastante espalhada. As commodities seguem com grande peso. A inflação de serviços está bastante pressionada, com aceleração na margem, o que tende a apontar para inflação mais espalhada e mais persistente. Mesmo que as commodities estejam perdendo valor agora em julho, a leitura ainda traz diversos pontos de preocupação para o Fed e mantém pressão no Banco Central americano.
O economista da Guide acredita que o Federal Reserve não deve tirar os pés do acelerador. “Pelo menos com o conjunto de dados que temos verificado até agora, com mercado de trabalho e os termômetros ISM, o que mostra uma economia resiliente”, completa Beyruti, que espera nova alta nos juros do Fed em 0,75 ponto percentual.
Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital, concorda que o dado veio ruim e diz que a expectativa é de uma queda de energia em julho, mas a dinâmica dos serviços é suficiente para deixar qualquer analista econômico extremamente preocupado pela característica de persistência da inflação nesse grupo. "Para o Fed, um aumento de 0,75 ponto percentual na próxima reunião fica consolidado. Aceleração para um ritmo mais intenso ainda não está no nosso radar porque entendemos que já estamos num ritmo suficiente elevado. Vemos taxa terminal de 4,0% apesar dos dados correntes mais fracos justamente por essa inflação espalhada e persistente", afirma Nogueira.
E agora, Fed?
Os dados podem reforçar o indicativo de um possível aumento de 75 pontos-base nas taxas de juros dos EUA após reunião do Federal Reserve no dia 27 de julho. O dirigente do Fed de Atlanta, Raphael Bostic, disse nesta semana que se não houvesse uma melhora no ritmo do avanço inflacionário, outra elevação dessa magnitude seria justificada. De acordo com Bostic, a atual taxa entre 1,5% e 1,75% ainda estimula o mercado americano.
Mauro Rochlin, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), reforça que os principais responsáveis por essa elevação foram os preços de energia, incluindo o petróleo. No entanto, o núcleo da inflação apresenta um valor bem mais baixo do que o indicador “cheio”, o que pode influenciar na decisão do Fed.
“O banco central americano dá muita importância ao núcleo da inflação, expurgando energia e alimentos, dois itens que apresentam altíssima volatilidade em momentos de incerteza. Esse número, apesar de alto, sugere que, se colocando de lado os números de energia e combustíveis, há uma inflação mais comportada. Caso haja uma reviravolta dos preços do petróleo, a inflação pode caminhar junto. As cotações do petróleo caíram e, se isso for de fato uma tendência, isso pode ajudar a ver um cenário melhor daqui para a frente”, aponta Rochlin.
Impactos nos emergentes
No Brasil, o principal efeito de elevações nas taxas de juros pelo Federal Reserve tende a ser a alta do dólar, puxada pela saída de investidores estrangeiros tanto da bolsa quanto da renda fixa, atraídos pela segurança e maior rentabilidade dos títulos norte-americanos, segundo Gonçalves.
Rochlin pondera que, mesmo que haja elevações nos fed funds americanos, eles ainda estão em patamares extremamente baixos. Como altas mais expressivas impactam países emergentes, principalmente os com dívida pública elevada, a situação atual brasileira difere da dos anos 80, quando possuía grande dívida com bancos estrangeiros. Em 1981, o Fed subiu os juros para 21,5% ao ano - momento dramático para toda a economia mundial.
“Quando isso aconteceu, em 1981 e 82, ainda que a gente saiba que isso é só um início do ciclo de alta, não estamos falando em taxas de dois dígitos hoje e não temos situação de endividamento alto junto a bancos comerciais estrangeiros. A taxa prime rate chegou a 20% ao ano, fazendo com que a dívida brasileira se tornasse impagável e o país precisasse renegociar com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Agora, a situação é menos dramática, mas a persistência de uma taxa de inflação alta faz com que a disseminação seja mais elevada, conclui Rochlin.