Taxa Selic: A difícil arte de coordenação de expectativas do mercado pelo Copom

Publicado 21.11.2025, 13:08
© Reuters

Investing.com - A dissonância entre o tom do comunicado da última decisão de taxa de juros pelo Copom – interpretado inicialmente pelo mercado como hawkish (duro) – e a suavidade observada na ata (dovish) gerou dificuldades de interpretação sobre os próximos passos da autoridade monetária. Enquanto o comunicado manteve alertas rígidos sobre permanência da taxa de juros elevada por um "período bastante prolongado" e a possibilidade de novas altas, a ata trouxe um alívio ao detalhar um cenário benigno de convergência inflacionária.

Nesta entrevista exclusiva ao Investing.com, realizada no dia da divulgação do IPCA de outubro na semana passada, o economista José Francisco Lima Gonçalves, ex-economista-chefe do Banco Fator e professor da USP, desmonta essa aparente contradição. Para ele, o "drama" semântico feito por analistas muitas vezes ignora o objetivo real do Banco Central: a coordenação de expectativas. Gonçalves argumenta que a manutenção de termos duros no comunicado funciona como um "seguro" necessário em tempos de incerteza, e não necessariamente como uma promessa de aperto monetário.

O economista destaca que a grande novidade da ata reside na queda das projeções de inflação para "além do horizonte relevante" pelo Copom, o que abre caminho para o afrouxamento monetário. Sua aposta é que o ciclo de cortes na Selic deve começar em janeiro, e não em março. A estratégia seria aguardar o IPCA fechado do ano para iniciar uma descida (em passos de 0,25 a 0,75 p.p.), visando uma taxa terminal próxima de 11%, na avaliação do economista.

Confira a seguir a entrevista completa sobre a "arte" da política monetária com o economista José Francisco Lima Gonçalves.

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Investing.com: Qual é o objetivo real do comunicado e da ata? As palavras que são utilizadas pelo Banco Central são um diagnóstico da atividade econômica ou há outros objetivos?

José Francisco Lima Gonçalves: O comunicado e a ata viram um drama, porque os analistas começam a ir em cada palavra, no gerúndio, no futuro do pretérito, e muitas vezes de uma maneira improdutiva, buscando diferenciações do que um economista lê e o outro não.

A ideia do comunicado e da ata é coordenar as expectativas sob o regime de metas de inflação. Isso significa saber:

  1. Como é o processo de decisão do Copom.
  2. Saber o que o colegiado observa.
  3. Usar as mesmas referências, por exemplo, econométricas, com a ideia de olhar para o futuro, não para o passado.

É praticamente inevitável que se pense em modelos em uma tentativa do Copom de adivinhar o futuro de um jeito diferente do que os operadores fazem. O maior peso para a leitura dos documentos é a experiência para um operador, porque olha se já errou, acertou, se ganhou ou perdeu dinheiro.

Para o economista, a previsão da taxa de juros e do prazo tem sentido, precisa um pouco de cálculo, mas a maioria vai na experiência e na arte, observando o que dizem principalmente o presidente e os diretores de Política Monetária e de Política Econômica do Banco Central – especialmente o de Política Monetária.

Desse ponto de vista, o regime de metas inclui o pessoal de mercado como interlocutor, com a inclusão da curva de juros nos modelos e adoção de regra – que vem do mercado - para petróleo e taxa de câmbio, variáveis que também entram nos cálculos dos economistas.

É um mundo que tem, portanto, um pé em dados de mercado e outro pé em modelos. Por isso, é importante ter quem faça o diálogo entre o que o Banco Central pensa e o que acontece efetivamente, que é comprar ou vender ativos a esse ou aquele preço. E para fazer essa ligação, entra essa parte de comunicação e entra a necessidade de justificar as decisões à luz de um raciocínio que, se não for o mesmo, não coordena nada.

Posso até discordar do modelo do Banco Central, dizendo que o meu é sempre o certo. Mas eu acerto o quê? Porque o relevante não é se eu acerto a inflação, é se a inflação está indo para a meta e o que o Banco Central vai fazer dependendo de se a inflação está indo ou não para a meta.

Coordenar é isso, é falar para economistas e operadores: “olha, nós estamos vendo a coisa assim”.

O mercado faz preço achando que o Banco Central vai fazer tal coisa. E o Banco Central vai fazer a coisa dependendo de como o mercado está. Coordenar é falar a mesma língua, usar os mesmos critérios e os mesmos modelos. Em determinadas circunstâncias, essa comunicação é decisiva.

Inv.com: Como o senhor avalia o comunicado e a ata da última reunião?

JFLG: Deu ênfase no seguinte: “olha, o nosso cenário está se confirmando, com a inflação em 3,3% no 2º trimestre de 2027 é confiável”. Isso significa que o mercado vai comprar esse discurso ou vai comprar a curva de juros implícita nesse cenário? Não.

Mas, o operador fica sabendo que o Banco Central está indo por aqui. Logo, eu que sou experiente de operação, tenho ideia de como lidar com a situação, sem quebrar a cara, se o Banco Central está vendo os juros desse jeito. Ou está vendo que o cenário-base do Copom é sempre a curva de juros dos economistas, do Focus.

Além disso, posso perguntar: eu concordo com essa curva? Não, é irrelevante. Estou falando que, se é colocado isso no modelo, a inflação converge ou não converge neste ou naquele dia, de modo que você tenha uma referência do que o outro vai fazer.

Inv.com: O último comunicado e a última ata do Copom foram dovish ou hawkish?

JFLG: Foi mais para dovish. Entram, entretanto, outros fatores na cabeça tanto do Copom quanto dos economistas e dos operadores. Boa parte do ano passado e deste ano, por exemplo, havia dúvidas sobre o compromisso do atual presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, em relação a buscar a meta. E ainda tem gente com ressalvas relevantes.

Se o BC quer coordenar as expectativas, a autoridade monetária não pode brigar. Fala a mesma língua, acompanha e entende o que os operadores estão observando e os motivos dos modelos dos economistas chegarem a este ou aquele resultado.

Inv.com: E falar a mesma língua significa, no caso do último comunicado e da última ata, a manutenção daquelas expressões de “taxa de juros elevada por um período bastante prolongado” e “subir caso seja necessário”, ao mesmo tempo que o Copom iniciou a modelar a sinalização de corte com aquela mudança sutil?

JFLG: Sim, porque ele não pode tirá-los. Tem elementos que são retirados, outros que são pouco alterados. Mas há trechos que não dá para retirar, como, por exemplo, “se der tudo errado, eu vou subir a Selic mesmo”.

Não pode ficar colocando ou retirando frase, a não ser que você tenha um contexto de crise, como a pandemia. Todo mundo sabe que o juro está muito alto e a inflação cede muito devagar. Isso não é uma discussão, a discussão é o que faz nessas circunstâncias. É preciso manter essa referência.

Se há, por exemplo, um choque de câmbio, o Copom vai ficar quieto? Não, porque o choque de câmbio está fora do cenário. É preciso que o Copom sinalize, caso venha algo fora da estratégia, que vai reagir. Isso não quer dizer que o colegiado foi mais hawkish.

Alguém tem um choque de câmbio na conta? Ninguém tem.

Inv.com: É comum ouvir nos bastidores que a nova regra de remessa dos dividendos ao exterior pode acelerar a saída de dólar, pode impactar o câmbio, mas ninguém tem este choque na conta.

JFLG: Isso aconteceu ano passado com a discussão da questão fiscal, com o dólar indo a R$ 6,30. Nesta situação, o Banco Central vendeu US$ 30 bilhões das reservas internacionais e sinalizou as três altas de 100 pontos-base na taxa Selic. São decisões que sabemos que eles vão fazer se tiver uma surpresa dessa forma.

Quer dizer, vai a R$ 6,30 o dólar? Vai, mas depois volta. Se todo mundo sabe que existe essa possibilidade, você está com as expectativas razoavelmente coordenadas. Ninguém é louco de montar uma situação que não tenha um seguro, um hedge em relação a esse cenário.

Inv.com: E, de certa forma, o próprio BC tem o seu hedge de não fazer nada em dezembro, porque pode estar no meio desse furacão.

JFLG: Pois é, exatamente. Isso tampouco quer dizer que dá certo.

Inv.com: Qual foi a novidade da ata em relação ao comunicado e às atas anteriores?

JFLG: O que está na última ata e não estava no comunicado é a questão de as projeções de inflação estarem cedendo além do horizonte relevante. Até setembro, as projeções para 2027 e 2028 estavam paradas, e estão caindo desde então.

A projeção mais baixa ainda é 3,5%, mas não é 4%. O que está entrando nessa conta? Não é Selic, tampouco dólar desvalorizado e preço do petróleo mais baixo. Não muda as notícias sobre trajetória da dívida/PIB. E, mesmo assim, a inflação lá na frente começa a cair. Esta é a novidade, porque a inflação ceder além do horizonte relevante não é política monetária. É política fiscal!

Estamos enxergando que, mesmo com esse cenário ruim do lado fiscal, isso está perdendo peso em relação à inflação adiante. Se isso é verdade, a necessidade de o Banco Central manter a Selic acima da taxa neutra por mais tempo perde força.

Inv.com: Quando o senhor menciona que pode ser o fiscal o responsável pela queda das expectativas de inflação além do horizonte relevante, isso significa que de 2027 em diante é novo governo?

JFLG: No modelo, um déficit primário atual leva a inflação para cima. Uma trajetória ascendente da relação dívida/PIB mantém os juros altos. Tem aí alguma coisa.

Inv.com: Quando falo novo governo, não necessariamente seja uma troca de presidente, pode ser uma troca de política econômica?

JFLG: Exatamente! Mas, este não é o meu cenário básico. Mas, se é o Lula, não será o mesmo governo, mesmo com sinais de uma campanha mais à esquerda. Agora, eu acho que o Copom quer reduzir os juros em dezembro, mas não tem como, apenas em janeiro, quando já terá na mesa o IPCA fechado do ano. Vai avaliar o estrago que o dólar fez nas expectativas, o que não será um problema, apenas um susto. Por isso, é preciso esperar.

Inv.com: Quem fala que o corte pode vir em março aborda a questão da inflação de serviços, que ainda veio forte em outubro, com uma aceleração dos subjacentes. Se continuar nesse patamar ainda, talvez seja em março, e se for março tem que demonstrar pelo menos uma trajetória descendente?

JFLG: Sem dúvida! Se as projeções para 2027 e 2028 continuam comportadas e se cederem mais um pouco, fica claro que a política monetária não tem que ser exagerada a ponto de manter a Selic lá em cima tanto tempo que chegue no fim de 2026, pois ainda vai ficar na taxa restritiva, a questão é quanto.

A novidade fiscal vai ficar clara ao longo do ano que vem. Se as projeções de resultado fiscal continuam suportando uma inflação no médio prazo mais baixa, isso significa que a Selic não tem que ir até lá nesse nível. Então, a curva que está nos modelos e no FOCUS está errada. É o que os economistas estão dizendo, não o Copom.

Inv.com: Se o corte é para janeiro, qual será a magnitude e o patamar da taxa Selic no fim do ciclo? Até que mês os cortes acontecerão?

JFLG: Acho que o mais provável é fazer 25, 50, 75 pontos-base e avaliando em cada corte. O ambiente no ano que vem é muito difícil.

Inv.com: Deve chegar até por volta de 11,5%?

JFLG: Sim, e se der vai a 11%. É um bom número, porque é acima da taxa neutra com alguma folga.

Inv.com: Seria uma taxa real de juros de aproximadamente 7%?

JFLG: Provavelmente sim, é bastante juro. Se consegue fazer isso sem empinar a curva, a situação melhora muito, não por causa da atividade, mas por causa da despesa com juros. Se conseguir tirar quatro pontos da Selic com o movimento da curva de mercado, melhora a situação do Tesouro.

Inv.com: Neste caso, entra no cálculo aquela parte fiscal também na conta?

JFLG: Isso, a parte do endividamento. Por isso, não pode deixar a curva empinar. Porque o pessoal acha que despesa de juros é o Banco Central que faz com a Selic. Em parte, porque tem os componentes que não são Selic. Esquece-se que a rolagem se faz na curva.

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