Açaí e grãos de café: Belém testa caminho para economia em Amazônia livre de desmatamento

Publicado 21.11.2025, 10:21
Açaí e grãos de café: Belém testa caminho para economia em Amazônia livre de desmatamento

Por Lisandra Paraguassu e Valerie Volcovici

BELÉM (Reuters) - Às margens do rio Guama, em Belém, o Estado do Pará aposta em um novo modelo para a economia amazônica: um Parque de Bioeconomia e Inovação projetado para ajudar empreendedores a transformar produtos florestais como açaí e castanha-do-pará em mercadorias para os mercados doméstico e global.

O complexo, inaugurado no mês passado e inspirado no Vale do Silício, quer ajudar a modernizar a economia local usando a floresta em pé, criando empregos ao mesmo tempo que preserva a Amazônia.

Enquanto os negociadores da COP30 se reúnem em Belém para discutir o incerto futuro do planeta, o Brasil pretende mostrar que a produção sustentável de produtos florestais -- a chamada bioeconomia -- pode competir com indústrias destrutivas como a pecuária e a mineração.

"Nossa intenção é que o Estado do Pará possa fazer da floresta uma nova vocação estratégica, que faça a transformação da nossa biodiversidade uma nova economia que gere empregos, novos negócios", disse à Reuters o governador do Estado, Helder Barbalho (MDB).

"Que nós possamos diminuir a dependência de economias extrativas, de economias de emissões de gases de efeito estufa, para economias de baixas emissões, para economias que valorizem a floresta viva."

O chef paraense Leonardo Souza foi um dos primeiros a usar os laboratórios do BioPark, aumentando a produção de 60 potes de sal artesanal com ervas amazônicas que fazia por dia, usando fornos alugados, para cerca de 1.000. "Trabalhávamos com 42 famílias fornecendo ervas. Agora serão cerca de 200", disse ele, que teve de ampliar os fornecedores para além da sua comunidade, com quem começou a trabalhar ainda na pandemia de Covid-19 para aumentar a renda local.

No ano passado, o Brasil lançou um plano nacional para tornar a bioeconomia uma das principais forças da economia brasileira. A estratégia inclui 10 prioridades, que vão dos pequenos negócios como o de Souza, a produção de medicamentos fitoterápicos, passando por concessão de florestas nativas e turismo.

O programa Eco Invest, lançado no ano passado, usa fundos públicos para atrair capital privado estrangeiro para projetos sustentáveis e, com o quarto leilão do programa, anunciado na quinta-feira, o governo pretende alavancar US$3 bilhões em investimentos privados a partir de US$1 bilhão em recursos públicos, provenientes do Fundo Climático do Brasil e do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

O secretário do Tesouro do Ministério da Fazenda, Rogério Ceron, disse à Reuters que o governo irá, pela primeira vez no âmbito do programa, adicionar mais 20% do valor da carteira como capital catalítico para financiar assistência técnica, com o objetivo de viabilizar empreendimentos complexos ou de maior risco, especialmente na bioeconomia.

"Esses pequenos produtores precisam de treinamento, assistência técnica, para viabilizar esses tipos de projetos", disse Ceron, citando exemplos como artesanato, pesca e agricultura sustentáveis e extração de matérias-primas para cosméticos.

Um estudo realizado em 2019 pelo BID, pela Nature Conservancy e pela gigante brasileira de cosméticos Natura mostrou que 30 cadeias de valor de produtos florestais no Pará geraram R$4,24 bilhões em renda local -- quase igualando os R$4,25 bilhões da pecuária, que depende do desmatamento.

"Esse estudo mostra que se trata de uma mudança de paradigma", disse Paula Caballero, diretora da Nature Conservancy para a América Latina. "Este não é um mercado de nicho. Ele pode ser muito forte."

O BOOM DO AÇAÍ

Entre os produtos mais onipresentes da Amazônia está o açaí, uma fruta rica em antioxidantes cuja popularidade como alimento saudável, não apenas no Brasil, mas no mundo, impulsionou as projeções de crescimento do mercado de US$1,23 bilhão em 2024 para US$3,09 bilhões em 2032, de acordo com o governo brasileiro.

Todas as noites, centenas de barcos descarregam sacas de açaí no mercado Ver-o-Peso, em Belém, para serem vendidos em todo o Brasil e no exterior.

O empresário francês Damien Binois, 35 anos, é um dos que compra o açaí direto dos produtores paraenses. Ele lançou sua NOSSA! AÇAÍ depois de provar a fruta em 2012, quando veio para o Brasil fazer um mestrado em comércio internacional em São Paulo, e transformou o objeto de seu estudo, a fruta amazonense, em um negócio de exportação. Hoje, exporta para a França, Espanha, Irlanda e Bélgica, comprando de 150 produtores locais -- desses, 50 recebem também assistência técnica direta da NOSSA!, e o número deve aumentar.

Já no ano que vem, o negócio deve crescer com a construção de uma fábrica em Barcarena, cidade a 100 quilômetros de Belém, para onde deve contratar já em 2026 40 pessoas, com intenção de chegar a 200 em 2030.

"Hoje a renda para quem produz açaí é muito boa. Com o crescimento do mercado o preço do açaí tem subido bastante. Em época de safra está em torno de R$60 uma panela de açaí, quando há uns cinco anos atrás era R$15, R$20", diz Binois, "Hoje o açaí tem sido uma oportunidade muito grande de melhoria na renda das pessoas."

CAFÉ E REFLORESTAMENTO

Sarah Sampaio, diretora da ONG Amazônia Florestal, ajuda pequenos agricultores a cultivar café orgânico no sul da Amazônia, em uma área que ficou conhecida como arco do desmatamento, às margens da rodovia transamazônica.

Na década de 1970, atraídas pela promessa de uma vida melhor com a abertura da estrada, centenas de famílias chegaram na região de Apuí (AM) para abrir a mata, plantar e criar gado. Sarah explica que, apesar das tentativas, a terra desmatada não era tão produtiva quanto eles esperavam.

"Com o tempo e partes da floresta se recuperando, eles descobriram que o café que eles tentaram plantar dava melhor quando as árvores cresciam em volta", conta Sarah. Hoje, 234 famílias em cooperativas produzem café orgânico e estão desenvolvendo blends de café premium que podem ser encontrados em supermercados pelo país, pela internet e estão sendo exportados para a Holanda e a França.

"A gente oferece para eles gratuitamente o preparo do solo, as mudas de café, as mudas nativas para reflorestamento, a assistência técnica, que é crucial, e a gente desenvolve um produto que vai agradar, e aí a gente ainda garante a compra do café, pagando prêmios adicionais por ser agroflorestal, por ser orgânico e pela qualidade do café", explica Sarah.

DESAFIOS

Embora o potencial da bioeconomia seja enorme, há desafios, disse à Reuters o pesquisador Carlos Nobre, um dos maiores especialistas na área.

Um estudo realizado por ele e colegas mostrou que todos os produtos da biodiversidade representam 0,4% do PIB brasileiro. Ao mesmo tempo, a pecuária, hoje a principal causa do desmatamento na Amazônia, representa 6% do PIB.

"Na região amazônica, um produto, carne bovina, representa 17% do PIB. E é principal fator do desmatamento. Enquanto cooperativas dos produtos da biodiversidade lucram mais, empregam mais, protegem a floresta e ainda assim é 1,5% do PIB da região", explica Nobre.

Cooperativas locais de agricultores, disse ele à Reuters em entrevista na semana passada, algumas das quais representam cerca de 2.000 fornecedores, mostraram que são capazes de proteger a floresta e, ao mesmo tempo, tirar as pessoas da pobreza.

"A maioria delas hoje está na classe média. As cooperativas de bioeconomia lucram de três a sete vezes mais do que a soja e a pecuária e empregam de 10 a 20 vezes mais pessoas", explica.

TRADIÇÃO E INOVAÇÃO

Enquanto o Brasil se esforça para tornar a bioeconomia parte importante do mercado brasileiro, os vendedores do Ver-o-Peso usam os benefícios da floresta há mais de um século. Bete Cheirosinha, 72, quinta geração de vendedoras de ervas no tradicional mercado de Belém, obtém plantas de comunidades ribeirinhas e usa o conhecimento indígena e caboclo para fazer remédios para doenças – e até mesmo um "viagra natural".

"Existem mais de mil tipos de ervas, cada uma com um significado, cada uma curando um problema", disse ela. "A Amazônia é muito importante para nós."

Allison Charles, que vende 15 tipos de farinha de mandioca com sua mãe a alguns passos de Bete, hoje já usa a tecnologia para espalhar o que o Pará tem de melhor. Sua página nas redes sociais recebe pedidos de todo o país, das farinhas, peixes, frutas da Amazônia.

"Além de vender produtos nós despertamos memórias. São pessoas que estiveram aqui, se sentiram felizes, e pessoas que viveram aqui e partiram e querem se sentir próximos. Isso é gratificante."

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