Por Iuri Dantas
SÃO PAULO (Reuters) - O tabelamento nacional do frete rodoviário, decidido pelo governo para atender os caminhoneiros, prejudica a economia, reduz a competitividade e a produtividade, eleva preços ao consumidor e aumenta custos em praticamente toda a economia, mostra parecer elaborado pelo Ministério da Fazenda e obtido pela Reuters.
"Caso seja estabelecida uma política de preços mínimos espera-se tanto a redução da competitividade e da produtividade da economia brasileira... como elevação do custo de vida, resultando em elevação da inflação", diz o documento produzido em julho, assinado por técnicos e pelo atual secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, então à frente da Secretaria de Acompanhamento Econômico do ministério.
O impacto na economia ocorreria "em razão do acréscimo dos custos logísticos, com possíveis impactos negativos sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e a balança comercial", aponta o texto, classificado como de acesso "restrito" pelo governo.
"A elevação do frete mínimo seria absorvida pelos consumidores", diz um trecho do parecer, elaborado sobre um projeto de lei que buscava justamente definir uma tabela nacional de frete rodoviário.
"Haveria certa rigidez na estrutura de custos das diversas atividades produtivas no que se refere à substituição do insumo transporte rodoviário, de forma que eventuais reduções na demanda seriam correlacionadas com reduções no nível dessas atividades produtivas."
Um dos principais clientes de frete rodoviário, o agronegócio avalia que a proposta de preços mínimos para o frete de cargas tende a elevar os custos tanto para produtor quanto consumidor, gerar informalidade no segmento, encarecer outros modais logísticos e impactar a própria produção de commodities do país.
O parecer também é citado em votos dos conselheiros do tribunal brasileiro antitruste em processos nos quais empresas buscavam abusar de seu poder de mercado e definir preços mínimos de transporte de carga.
Reivindicação antiga de caminhoneiros e empresas de transporte, uma tabela com preços mínimos para o frete consta de medida provisória do presidente Michel Temer publicada em meio aos 11 dias de bloqueios e protestos de caminhoneiros por todo o país, que causaram desabastecimento e um impacto negativo de 0,35 por cento do PIB, segundo cálculos de um economista.
A tentativa de exigir um piso para os fretes já entrou na pauta da agência antitruste brasileira algumas vezes e, atualmente, a instituição conduz tanto uma investigação contra empresas que teriam atuado na greve das últimas semanas quanto contra transportadoras que teriam criado uma tabela regional de frete.
Em um documento público sobre as medidas adotadas pelo governo Temer, o Cade se absteve de criticar a criação da tabela nacional de frete para os caminhoneiros. Na semana passada, por outro lado, o presidente do órgão, Alexandre Barreto, disse que vê "com extrema reserva" medidas para tabelar ou criar referências para preços.
MAIS CAMINHÕES, MENOS DESCONTOS
Ainda na avaliação da área técnica do Ministério da Fazenda, a tabela de frete pode incentivar um número maior de pessoas a oferecer o serviço de transporte de cargas, uma vez que não há concorrente forte o suficiente para ameaçar os caminhoneiros, como ferrovias, cita o texto.
"Na medida em que esse preço mínimo afasta o mecanismo de regulação de oferta e demanda do mercado, segundo a sinalização do preço de equilíbrio, haveria um incentivo sobre a oferta de transporte de carga, bem como aumento dos custos das demais atividades produtivas", aponta o documento.
Outro fator negativo mencionado pelos técnicos diz respeito a descontos, que fabricantes poderiam obter dos caminhoneiros, um cenário que se tornará mais difícil com a tabela baixada pelo governo.
"O escopo de competição entre os ofertantes seria reduzido, afetando-se o processo de barganha e a potencial concessão de descontos, que adviria da gestão do agente econômico sobre os custos de sua atividade, por meio de ações como: barganha junto a fornecedores, política de compras, seleção de fornecedores e produtos substitutos", dizem os técnicos.
Na exposição de motivos da medida provisória que institui a Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, os ministros de Minas e Energia, Moreira Franco, e dos Transportes, Valter Casemiro, justificam da seguinte maneira a necessidade da medida, reconhecendo que ela viola a livre concorrência:
"Embora a livre concorrência seja um princípio previsto na Constituição Federal, a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem por fim assegurar a todos existência digna", diz um trecho.
"A situação atípica que se configura justifica que o Estado atue de forma excepcional, buscando atenuar as distorções que se processam no setor, considerando-se a valorização do trabalhador do transporte rodoviário de cargas, assegurando-lhe existência digna."