Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - A reancoragem das expectativas de inflação é vista pela diretoria do Banco Central como elemento essencial para assegurar a convergência da inflação para a meta, mostrou a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da autarquia.
No documento divulgado nesta terça-feira, o BC apresentou um cenário mais desafiador para a política monetária ao estimar uma redução na ociosidade da economia e elevar a hipótese de taxa de juros real neutra, que não estimula nem retrai a economia, de 4,5% para 4,75%.
O Copom reforçou que sua diretoria avalia, de forma unânime, que se deve perseguir a reancoragem das expectativas de inflação independentemente de quais sejam as fontes por trás da desancoragem.
“A redução das expectativas requer uma atuação firme da autoridade monetária, bem como o contínuo fortalecimento da credibilidade e da reputação tanto das instituições como dos arcabouços fiscal e monetário”, disse o BC no documento.
Na última quarta-feira, o BC manteve a Selic em 10,50% ao ano, em decisão unânime que marcou uma mudança de posição dos quatro diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já que na reunião de maio eles haviam divergido do restante do grupo e votado por uma flexibilização monetária maior.
"O Comitê se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta", disse.
A cúpula da autarquia já vinha fazendo declarações públicas buscando mostrar coesão e indicar uma busca firme pela convergência da inflação à meta, em meio a um processo de desancoragem das expectativas de mercado mesmo com dados benignos de preços correntes.
O mais recente boletim Focus do BC, que capta projeções de mercado, apontou para uma inflação de 3,85% em 2025, atual foco da política monetária, já que alterações nos juros básicos geram efeito defasado na economia. Um mês antes, a estimativa estava em 3,75%.
A meta de inflação estipulada pelo Conselho Monetário Nacional é de 3% para este e os próximos dois anos, sempre com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
TAXA NEUTRA
De acordo com o documento, o Copom debateu as estimativas sobre a taxa neutra de juros que seriam utilizadas como hipótese para suas projeções, ponderando que há incerteza porque ela é uma variável não observável.
Nessa avaliação, o BC informou que costumam-se enfatizar nas variações de curto prazo movimentos de produtividade ou resultados fiscais, que impactam a poupança doméstica. No longo prazo, destacam-se temas relacionados à demografia, à produtividade e à taxa de poupança global.
Além de elevar a hipótese dos juros neutros a 4,75%, o Copom também debateu cenários com taxa neutra entre 4,5% e 5%, "uma vez que muitos modelos apresentados indicam valores nesse intervalo".
"O Comitê reforçou que a taxa neutra não é uma variável que deve ser atualizada em frequência alta e que tampouco deveria ter movimentos abruptos, salvo em casos excepcionais", afirmou.
Uma taxa neutra de juros mais alta pode indicar que o atual nível da Selic é menos contracionista do que o estimado anteriormente --ou que a dose de aperto monetário precisaria ser maior para levar a inflação à meta.
No documento, o BC informou que observou novas surpresas de alta na atividade econômica e dinamismo no mercado de trabalho, apesar de citar incertezas relacionadas ao desastre provocado pelas chuvas no Rio Grande do Sul.
Diante dessa percepção, o Copom avaliou que o hiato do produto --espaço que a atividade tem para crescer até atingir seu limite e pressionar a inflação-- ficou mais apertado, passando de "levemente negativo" (quando ainda há capacidade ociosa) para "em torno da neutralidade" (quando a capacidade total da economia é atingida).
O documento apontou ainda que houve um debate em relação a seu balanço de riscos para a inflação, com preocupação de que o hiato do produto continue mostrando resiliência, bem como de uma inflação de alimentos mais persistente. No entanto, a decisão foi de manter o balanço com riscos simétricos para cima e para baixo.
"Vemos a ata mais dura, em termos de condução da política monetária, com as mudanças na avaliação do hiato, uma elevação, ainda que moderada, na taxa de juros neutra e uma discussão no balanço de riscos para inflação", disse o economista da XP (BVMF:XPBR31) Rodolfo Margato.
Para Álvaro Frasson, do BTG Pactual (BVMF:BPAC11), porém, as revisões feitas pelo BC foram mais tímidas do que reavaliações feitas pelo mercado para o hiato e a taxa neutra.
"A ata de hoje reforçou um tom mais ameno para as variáveis estruturais da nossa economia, embora a comunicação tenha sinalizado as preocupações na direção correta em torno do mercado de trabalho", disse, vendo como "muito remota" uma eventual alta nos juros básicos.
No documento, o BC ainda avaliou que o cenário externo se mantém adverso, com agentes de mercado vendo uma manutenção de taxas de juros elevadas por um período mais longo em economias avançadas.