Por Geoffrey Smith
Investing.com – Existe alguma coisa capaz de parar o todo-poderoso dólar?
A moeda americana está com tudo neste ano, após o Federal Reserve embarcar em seu mais longo e agressivo aperto da política monetária dos EUA em 30 anos. Ele acumula uma alta de 17% contra uma cesta de moedas de economias avançadas e subiu muito mais contra as divisas de importantes países emergentes. Os índices de ações americanas, por sua vez, caíram 31% no mesmo período, quando até mesmo o ouro, considerado um porto seguro, se desvalorizou quase 10%.O índice dólar, que rastreia a moeda americana contra um conjunto de doze divisas de países riscos, atingiu a máxima de 20 anos.
Tradicionalmente, isso tende a ser um mau presságio para a economia mundial. De fato, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), conhecido como o “banco central dos bancos centrais”, defende que o dólar substituiu o famoso indicador de volatilidade VIX como “índice do medo”, ao refletir de maneira muito mais precisa a aversão ao risco global.
Sem dúvida há muito a temer. A começar pela guerra na Europa, que tornou mais provável o uso de armas nucleares do que em qualquer outro momento desde 1962. Mesmo que continue sua trajetória atual, a guerra está provocando grandes transtornos ao mercado global de energia e commodities. Isso é “inerentemente inflacionário”, afirmou o guru dos mercados globais de crédito do Credit Suisse (SIX:CSGN). Zoltan Poszar, no início do ano.
A guerra também está acelerando o fim da era da globalização, que permitiu que bens e energia fluíssem de forma relativamente livre e barata ao redor do planeta. A Europa cortou seus laços com a Rússia, seu fornecedor mais barato de energia, e os EUA estão em vias de fazer o mesmo com a China, sua fornecedora mais barata de bens de consumo. E praticamente todo o mundo desenvolvimento está reduzindo deliberadamente o fornecimento de mão de obra barata, em resposta o descontentamento popular em relação à imigração. Donald Trump e os defensores do brexit podem não estar mais em ascensão, mas, somente nos últimos dois meses na Europa, Suécia e Itália, foram eleitos governos de extrema direita com amplo viés populistas.
“O que o petróleo é para uma economia industrial, as pessoas são para uma economia de serviços”, afirmou Poszar, em uma nota no mês passado, e o mercado de trabalho dos EUA, a julgar pelo relatório oficial de empregos de setembro, está tendo um “Momento Opep”.
Tudo isso aponta para o enraizamento de custos mais altos nos próximos anos. Isso significa que o Federal Reserve não poderá se dar ao luxo de tirar o pé do freio, pelo menos enquanto a taxa de desemprego estiver perto da mínima recorde.
Neste momento, os contratos futuros de juros sinalizam que as taxas do Fed atingirão o pico em torno de 5% no primeiro trimestre do ano que vem, o equivalente a mais 175 pontos-base de aperto. Mas, sem o fim da guerra, alguns projetam números ainda maiores.
“Não se engane: o risco de o Fed elevar os juros para 5% ou 6% é bastante concreto, o mesmo vale para o risco de as taxas atingirem as máximas nesses patamares, apesar do que isso representaria em termos de dor para a economia e os ativos”, escreveu Poszar em uma nota recente.
E isso, evidentemente, é uma notícia terrível para a economia global, sobretudo para os países que se endividaram livremente em dólares nos últimos 13 anos de política monetária frouxa nos EUA. Desde o início da pandemia, os empréstimos em dólares por parte de entidades não sediadas nos EUA superaram US$ 1,2 trilhão, de acordo com os números do BIS. Considerando que as taxas do Fed atinjam 5%, o custo anual do serviço da dívida aumentará US$ 57 bilhões em relação ao início do ano, drenando capital dos países mais pobres do mundo.
O Fundo Monetário Internacional cortou, na semana passada, sua previsão de crescimento mundial para menos de 3% pela primeira vez desde 2000. Caso o aumento das taxas de juros provoque recessões ao redor do mundo, o Fundo considera uma chance de 25% de que o crescimento mundial fique abaixo de 2% em 2023. Caso isso se concretize, muitos outros países registrarão o mesmo tipo de violência que vem ocorrendo no Sri Lanka, Peru, entre outros, neste ano.
“O pior ainda está por vir e, para muitas pessoas, 2023 será um ano de recessão”, declarou o FMI em sua Perspectiva Econômica Mundial.
Em outras palavras, enquanto o Rei Dólar geralmente atua como um monarca esclarecido, viabilizando o comércio e os investimentos ao redor do mundo, que gosta de lidar com uma única unidade de conta, no futuro próximo, a moeda atuará mais como um déspota errático, como o classificam alguns líderes mundiais antiamericanos.