Por Maria Carolina Marcello e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Turbinado pelo orçamento secreto, o centrão exigirá do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) jogo de cintura, se quiser tocar suas pautas prioritárias e eventualmente retomar o controle de parte do orçamento federal.
Isso não quer dizer, necessariamente, que o poderoso grupo político esteja fidelizado ao atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), que não conseguiu se reeleger. Aliados de ocasião, esses parlamentares podem mudar de lado a depender das conversas com o petista, avaliam congressistas procurados pela Reuters.
"O centrão vai dar trabalho, porque o centrão está muito bem, diga-se de passagem, com esse escândalo do orçamento secreto", avaliou a deputada Tabata Amaral (PSB-SP).
"E o centrão, neste momento, se vestiu, se apresentou como sendo de centro-direita, porque era conveniente", acrescentou.
A parlamentar não considera impossível a construção de uma coalizão em torno de Lula, dada a abertura ao diálogo de partidos como MDB, do União Brasil, PSDB e PSD.
A formação de uma base aliada o ajudaria a enfrentar agendas complexas que se impõem, caso da reforma tributária, e de mudanças no Imposto de Renda, além de eventuais mudanças fiscais, que abririam espaço para a ampliação de programas de distribuição de renda.
O petista poderá ainda ter problemas para travar possíveis medidas conservadoras, que podem surgir das bancadas mais setorizadas "BBB" --boi, bala e Bíblia, ou formalmente denominadas de Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Frente Parlamentar Evangélica, e Bancada de Segurança Pública, que pode ser ramificada e gerar um novo grupo voltado especificamente à facilitação do acesso a armas.
A favor do presidente eleito, conta o fato de que nem todos no centrão encaixam-se no perfil dos bolsonaristas "raiz", identificados ideologicamente e aguerridos defensores de bandeiras conservadoras. Boa parte do grupo político que assume em 2023 tem posições menos radicais e foi eleita a partir do impulsionamento do orçamento secreto. São os bolsonaristas de conveniência.
"Não dá para dizer que tem uma maioria bolsonarista. Não é bem assim", avaliou o deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), até alguns meses atrás vice-presidente da Câmara, avaliando que principalmente no Senado a correlação de forças não teve mudança drástica e que tanto o centrão quanto um de seus principais líderes, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), são aliados de momento do atual presidente.
"O Arthur é Bolsonaro tanto quanto vira Lula quando o Lula ganha a eleição", avaliou Ramos.
Utilizado como moeda de troca por apoio político por meio do direcionamento de emendas ao Orçamento, o chamado orçamento secreto ficou conhecido dessa forma diante da falta de transparência sobre os parlamentares agraciados com os recursos.
Relatório da Transparência Internacional sobre o nível de comprometimento do Brasil com convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) de combate à corrupção aponta o instrumento de distribuição de recursos do orçamento entre os principais retrocessos no país.
Partidos do centrão elegeram pouco mais da metade dos 513 deputados, sendo que apenas o PL, sigla de Bolsonaro, conquistou a maior bancada de com 99 cadeiras. No Senado, mais de 15 parlamentares --dentre os raiz e os de ocasião-- foram eleitos para a legislatura que começa em 2023.
Parlamentares relatam que sim, alguns integrantes da esquerda também foram beneficiados por recursos do orçamento secreto, mas a grande maioria agracidada faz parte, justamente, do centrão.
DONO DO PEDAÇO
O presidente eleito já anunciou, na campanha, que não concorda com o orçamento secreto e chegou a mencionar intenção de extingui-lo, o que renderia considerável desgaste político, dada a maioria do Legislativo favorável ao tema.
Para a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), que debateu o tema com o petista, a solução deve partir do Supremo Tribunal Federal (STF).
"A questão do orçamento secreto a gente só resolve via STF", disse a parlamentar à Reuters, acrescentando que o presidente eleito entende que com o instrumento de destinação de emendas de relator "não se governa, não se faz política pública".
"O entendimento aqui é que, com o respaldo do Executivo, o STF vai ter muito mais espaço para julgar essa inconstitucionalidade", afirmou.
A presidente da corte, Rosa Weber, deve levar ao plenário a decisão sobre a constitucionalidade do orçamento secreto ainda em novembro deste ano, de acordo com uma fonte ouvida pela Reuters. Relatora da ação sobre o tema, a ministra manteve a ação consigo, mesmo depois de assumir a presidência da Corte.
Segundo essa mesma fonte, a tendência hoje entre os ministros é que o orçamento secreto seja declarado inconstitucional.
Caso o resultado se confirme, o novo governo poderá começar a retomar o controle do orçamento, boa parte dele hoje nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), uma das principais lideranças do centrão.
"Hoje, o Arthur é o dono da Câmara dos Deputados. E ele não é só o dono dos partidos da base do Bolsonaro. Ele é o dono do PSD, ele é o dono do PSDB, ele é o dono do MDB, ele é o dono de todos os partidos, salvo a esquerda. E ainda é dono de um pedacinho do PT, de um pedaço do PSB e de um pedaço do PDT", relatou Ramos.
Há, dentro do centrão, quem considere inegociável a extinção do instrumento e aposte que o STF não irá interfirir no assunto, uma vez que é o Congresso quem aprova o Orçamento do Judiciário.
"Você acha que o STF vai ter essa coragem? Quem faz o Orçamento do Supremo? O Congresso pode aprovar, pode modificar, pode não aprovar", alertou o vice-líder do governo na Câmara José Rocha (União-BA).
TRETAS
No período eleitoral, Lula já sinalizou a intenção de abordar os dois assuntos e precisará do Legislativo para tocar suas promessas de campanha e terá pela frente temas que o Congresso discute há anos, justamente pela dificuldade na construção de um consenso entre os parlamentares. Um deles diz respeito à reforma tributária, abordada por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) estacionada no Senado. Outro projeto que não avança, ainda que já tenha sido aprovado pelos deputados, é o que altera regras do Imposto de Renda.
Se contar com a boa vontade dos parlamentares, poderá tentar aprovar mecanismo de valorização do salário mínimo acima da inflação, atualização da legislação trabalhista e renegociação de dívidas de famílias inadimplentes ou mesmo a reorganização da estrutura administrativa do Executivo e criar novos ministérios, como o dos Povos Originários.
Também caberá ao Legislativo aprovar as indicações que o próximo governo fizer para agências reguladoras, tribunais superiores e embaixadas, além da diretoria e presidência do Banco Central, entre outros postos. Medidas que garantam o pagamento de auxílios e benefícios em curso também precisam passar pela avaliação dos congressistas.
"Com certeza vamos ter que mexer na questão fiscal não tenha dúvida", avaliou o vice-líder do governo, alertando, ainda, para as pautas de nichos específicos do Congresso, caso da chamada bancada da bala.
"Vai depender muito dessa articulação dentro do próprio Congresso", avaliou.