Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente Jair Bolsonaro disse nesta quinta-feira que "não haverá mais outro dia como ontem" e que "acabou", numa referência à operação da Polícia Federal que cumpriu mandados de busca e apreensão na véspera contra pessoas aliadas a ele e acusadas de envolvimento na produção e distribuição e fake news.
"Não teremos outro dia igual a ontém. Acabou, porra!", disse Bolsonaro, visivelmente irritado, em uma fala a jornalistas em frente ao Palácio da Alvorada. "Acabou, não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas, individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações. Nós somos um país livre e vamos continuar livre mesmo com sacrifício da própria vida."
Em mais de 20 minutos de fala, o presidente não admitiu que os jornalistas fizessem perguntas e, quando questionado, foi embora. Bolsonaro não explicou o que quis dizer com "acabou", ou o que pretendia fazer contra o inquérito das fake news.
"Ninguém mais do que eu tem demonstrando que tenho compromisso com democracia e liberdade. Agora, as coisas têm um limite, ontem foi o último dia", repetiu.
A operação deflagrada na quarta-feira teve como alvo principal empresários, blogueiros e ativistas ligados ao bolsonarismo, acusados de financiar e criar uma rede para espalhar notícias falsas pelas redes sociais. Entre os investigados estão o empresário Luciano Hang, um dos maiores apoiadores de Bolsonaro, e o blogueiro Allan dos Santos, dono de um site dedicado à defesa do governo.
Também estão na mira do inquérito seis deputados federais e dois deputados estaduais paulistas, todos da ala do PSL ligada ao Bolsonarismo.
Bolsonaro acusa Moraes de mirar o inquérito em que o apoia e abrir uma investigação em cima de um "factoide", o chamado "gabinete do ódio", um grupo que trabalharia com mídias digitais dentro do Planalto e seria comandado por Carlos, filho do presidente.
"O objetivo dessa ação é atingir quem me apoia", reclamou. "Estão perseguindo gente que apoia o governo de graça. Querem tirar a mídia que eu tenho a meu favor sob o argumento mentiroso de fake news."
Mais uma vez, o presidente disse que "querem me tirar da cadeira para voltar a roubar".
Bolsonaro disse por diversas vezes que a democracia e a liberdade estão acima de tudo, disse ter a alma de um democrata, mas defendeu que "ordens absurdas não se cumprem", ao se referir ao fato de a Polícia Federal ter seguido as determinações do ministro Alexandre de Moraes.
"A democracia é algo sagrado, e admito que todos estejam preocupados com ela. Não basta apenas um ou dois Poderes se preocupar. Todos devem se preocupar com ela. Sou o chefe supremo das Forças Armadas. Em nenhum momento eu falei que as Forças Armadas estão com o presidente. Sempre disse que estão com o povo, com a democracia, com a lei e a ordem", disse. "Não vão fazer com que eu transgrida, que eu me transforme em um pseudo ditador da direita. Isso não existe."
Bolsonaro acusou supostos adversários de estarem criando uma crise política que poderia levar o Brasil ao caminho de "uma Venezuela", em uma "terceira onda" depois da epidemia de coronavírus e da recessão econômica.
"O governo está fazendo sua parte. Não crie nova crise para atrapalhar o Brasil, que a terceira onda depois da recessão é que da pobreza de pessoas que perderam tudo e pessoas angustiadas a gente mergulha quase por inércia em um regime diferente", disse.
VÍDEO
As críticas de Bolsonaro se estenderam a outro ministro do STF, Celso de Mello, responsável pelo inquérito que investiga a suposta interferência do presidente na Polícia Federal.
Exaltado, Bolsonaro afirmou que seus ministros não são criminosos por terem falado coisas durante uma reunião ministerial fechada e não podem ser acusados por isso.
"A responsabilidade do que tornou-se público não é de nenhum ministro. É do ministro Celso de Mello. Ele é o responsável. Eu peço pelo amor de Deus, não prossigam esse tipo de inquérito", disse, referindo-se à decisão de Alexandre de Moraes de intimar o ministro da Educação, Abraham Weintraub, para depor à PF por ter dito, durante a reunião, que gostaria de ver presos todos os ministros do STF.
"O criminoso não é o Weintraub, não é o Salles (Ricardo, ministro do Meio Ambiente), não é de nenhum de nós. A responsabilidade de tornar público é de quem suspendeu o sigilo de uma sessão cujo vídeo foi chancelado como secreto", disse.
Na tarde de quarta-feira, depois da operação, Bolsonaro convocou os ministros para uma reunião de emergência em que tratou do assunto. Segundo ele mesmo, passou o dia cuidando desse tema. À noite, chamou o ministro da Justiça, André Mendonça, e o advogado-geral da União, José Levi, para continuar a reunião no Alvorada.
Já próximo da meia-noite, Mendonça impetrou um pedido de habeas corpus preventivo para tentar impedir que Weintraub tenha que depor.
"Respeito o STF, respeito o Congresso Nacional, mas para esse respeito poder continuar sendo oferecido da minha parte tem que respeitar o Poder Executivo também", disse Bolsonaro.
"Acima das nossas vidas temos que zelar pela nossa liberdade. Não podemos abrir mão dela nem por um milímetro. Acabou. Pelo amor de Deus, não mergulhe o Brasil em uma crise política. Estou a disposição para conversar hoje com senhor Fux (Luiz) que responde interinamente pelo Supremo, Davi Alcolumbre no Senado, Rodrigo Maia, na Câmara. O que eu mais quero é paz. Tenho certeza que essas autoridades também querem", completou.
Durante toda a fala, de mais de 20 minutos, Bolsonaro não aceitou ser questionado pelos jornalistas. Depois da insistência de um deles, encerrou sua fala e foi embora.