Pequim, 24 dez (EFE).- Ngapoi Ngawang Jigme, chefe do Exército do
Tibete que em 1950 não conseguiu enfrentar o avanço dos comunistas
chineses, e que acabou convertendo-se no tibetano de mais poder na
época comunista, morreu ontem, 23 de dezembro, em Pequim aos 99
anos, informou hoje o jornal "South China Morning Post".
O militar e político, descendente dos antigos reis do Tibete, foi
provavelmente o único tibetano que ostentou altas cotas de poder
tanto na época dos Dalai Lama, como no posterior regime comunista,
já que foi uma destacada figura durante a época de Mao Tsé-tung e
presidiu a região autônoma por duas vezes.
Nascido no dia 1º de fevereiro de 1910 em Lhasa, a capital da
região tibetana, Jigme era membro de um dos principais clãs da
aristocracia local, os Korkhang.
Após estudar no Reino Unido, retornou ao Tibete, em cujo Exército
entrou em 1932, e começou sua carreira política na província de
Qamdo (leste tibetano), da qual era governador em 1950.
Sua formação no estrangeiro o tornou um dos principais
partidários da reforma política e modernização do Tibete, então
ainda com um sistema de senhores e servos e onde a religião budista
dominava o Governo.
Nessa época foi nomeado comandante do exercito do Tibete pelo
Dalai Lama para enfrentar o avanço dos comunistas, mas Jigme perdeu
a definitiva batalha que em outubro de 1950 representou o final do
regime teocrático e o começo do domínio maoísta.
Embora tenha sido detido, conseguiu ganhar a amizade dos
sequestradores, considerou que o comunismo poderia ser um veículo
para realizar as reformas que queria para o Tibete, e apenas um ano
depois se tornou o subcomandante-em-chefe das forças do comunista
Exército de Libertação Popular no "Teto do Mundo".
Foi ele, de fato, que liderou as negociações entre chineses e
tibetanos em 1951, representando o então adolescente Dalai Lama, e
assinou os acordos de paz que estabeleciam soberania chinesa sobre o
Tibete em troca de garantias de autonomia e liberdade religiosa.
A fuga do Dalai para a Índia, em 1959, também não apagou a
influência de Jigme, que após o fracasso das revoltas tibetanas
desse ano passou a ser o principal porta-voz das políticas do regime
comunista em Tibete.
Em 1965 se tornou o primeiro presidente da Região Autônoma do
Tibete (cargo que voltou a ocupar nos anos 80), embora em 1967, em
plena efervescência da Revolução Cultural, tenha ido para Pequim,
onde viveu grande parte do resto de sua vida.
No momento de sua morte, ocupava o cargo de vice-presidente da
Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, órgão assessor do
Governo central.
Um de seus filhos, Ngapo Jigme, fugiu para os Estados Unidos há
duas décadas e é um dos ativistas pró-independência do Tibete mais
destacados: é o chefe da seção tibetana da Radio Free Asia e também
trabalhou para a Free Tibet Campaign, segundo relata o "South China
Morning Post".
Muitos tibetanos no exílio consideram Ngapoi Ngawang Jigme um
"traidor da causa", sendo assim retratado nos filmes de Hollywood
que abordaram o conflito.
No entanto, outros também reconhecem que sua presença no regime
comunista serviu para moderar algumas das políticas repressoras de
Mao e seus sucessores em relação ao Tibete.
A morte do estadista acontece precisamente no ano no qual os
ativistas pró-Tibete lembraram o 50º aniversário da fuga do Dalai
Lama para o exílio, enquanto o Governo chinês comemora os 50 anos da
"emancipação da servidão" em resposta aos independentistas. EFE