Por Lisandra Paraguassu e Anthony Boadle
BRASÍLIA (Reuters) - O governo brasileiro quer uma compensação, no acordo comercial negociado pelo Mercosul com a União Europeia, nas cotas de exportação de produtos agrícolas que podem ser atingidas pela lei antidesmatamento aprovada pelo Parlamento Europeu, em uma resposta às exigências ambientais feitas pela UE.
Fontes brasileiras ouvidas pela Reuters afirmaram que uma reunião do Mercosul para avaliar a resposta a uma carta enviada pelo europeus deve acontecer em breve para que a retomada das negociações seja feita ainda este mês, mas o pedido brasileiro pode complicar as conversas.
Diplomatas brasileiros explicam que a "side letter" apresentada pelos europeus em março deste ano, somada à nova lei ambiental aprovada em abril deste ano, impactam diretamente o Brasil e distorcem as cotas de produtos agrícolas negociadas em 2019. Daí a intenção de pedir um reequilíbrio nas cotas concedidas.
"O que a gente quer, na nossa resposta, é que haja um reequilíbrio das concessões. Se por acaso alguma concessão é retirada, você tem que compensar isso", disse à Reuters um dos negociadores brasileiros.
A lei ambiental europeia prevê que seis produtos -- carne, soja, madeira, café, cacau e óleo de palma -- terão que ter comprovada origem de áreas livres de desmatamento de florestas equatoriais até 2020 para poderem entrar na UE. Sem o certificado, a exportação fica proibida.
O governo brasileiro reclama que a lei é direcionada diretamente ao Brasil e vai desequilibrar o sistema de cotas do acordo. Além disso, não existe uma distinção entre o desmatamento legal e o ilegal na legislação europeia, enquanto a lei brasileira prevê que na Amazônia Legal o produtor pode desmatar legalmente até 20% da sua propriedade.
O Brasil busca uma forma de compensar a cota em outro produto, ou permitir que o Mercosul também diminua a cota de exportação dos europeus, de acordo com as fontes.
"A questão é que você não pode ter um acordo que tem uma ´Espada de Dâmocles´ em cima, que entra em vigor e aí você faz outra lei e tira o pedaço que você deu para mim. As cotas já são modestas, para dizer o mínimo, e aí você ainda cria um mecanismo em que você vai ceifar parte da cota", disse o negociador, que ainda classificou a legislação de "enviesada".
Do lado europeu, de acordo com um diplomata ouvido pela Reuters, o movimento pedido pelo governo brasileiro poderia ter que levar à reabertura do capítulo de acesso a mercados do acordo fechado em 2019, o que pode levar a novas discussões envolvendo todo o acordo.
Uma segunda fonte diplomática brasileira reconheceu que existe um "risco" na posição do país. "Mas se tomou muito cuidado para restringir o máximo. O Mercosul não quer rediscutir o acordo. São pontos específicos", acrescentou.
Procurados oficialmente pela Reuters, nem o governo brasileiro nem a União Europeia comentaram o tema, cujas renegociações ainda não começaram oficialmente.
A discussão ambiental não se restringe à questão da nova lei europeia. A carta enviada pelos europeus em março, com novas exigências ambientais e inclusão de sanções, irritou profundamente o governo brasileiro. O texto, negociado por meses entre os europeus, era direcionado ao governo de Jair Bolsonaro, mas foi apresentado apesar da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em outubro do ano passado.
O texto vai além do determinado pelo Acordo de Paris e passa a incluir sanções pelo suposto não cumprimento de metas.
"A gente não está se recusando a discutir, mas em termos mais colaborativos e construtivos. Mas em vez de adaptarem a um novo governo, pegaram uma coisa feita sob medida para o governo Bolsonaro e mandaram", disse a primeira fonte, afirmando que o Mercosul não pretende aceitar o debate de sanções.
Mas a expectativa é que essa negociação não seja tão difícil. "A reação deles até agora eu acho que tem sido mais razoável do que a ´side letter´ faria prever. Eles sabem que erraram a mão", disse.
O diplomata europeu ouvido pela Reuters afirma que a UE reconhece o que está sendo feito pelo Brasil agora, e que os termos podem ser discutidos. "Mas ainda precisamos de garantias para o futuro, porque negociamos um acordo com o país, e não com o governo que está no poder", disse. Existe um temor entre os europeus de um risco de volta do grupo de Bolsonaro ao poder.
COMPRAS GOVERNAMENTAIS
Além da questão ambiental, outra discussão que deve tomar forma nas próximas reuniões é a decisão brasileira de alterar o anexo do país sobre as compras governamentais para excluir alguns setores, além de mexer no chamado "offset".
No acordo fechado em 2019, ainda no governo Bolsonaro, o Brasil cedeu nas compras governamentais e deixou apenas o setor de Defesa de fora do acesso aos europeus. Além disso, concordou com uma política que prevê o uso do "offset" -- em que o governo que compra pode pedir no contrato questões como transferência de tecnologia -- apenas nos primeiros oito anos do acordo.
A intenção do Brasil agora é retirar essa limitação para o "offset" e incluir outros setores em que não será possível para os europeus entrarem, como a área de insumos para saúde.
De acordo com os diplomatas ouvidos pela Reuters, a questão do "offset" e da política de compras faz parte de um desenvolvimento de indústria nacional que todo o mundo vem fazendo, especialmente depois da pandemia de Covid-19, em que fica mais evidente a dependência de outros países para produtos farmacêuticos e equipamentos.
"Como você garante a sua capacidade produção em setores críticos, como de saúde? É uma questão universal, o Brasil não está defendendo uma novidade", defendeu uma das fontes.
A proposta brasileira ainda está sendo analisada pelos demais países do Mercosul e deve ter uma resposta na próxima reunião dos negociadores, mas o Itamaraty não prevê dificuldades entre os parceiros, já que cada país tem a sua proposta separada no anexo de compras governamentais. "Só estamos propondo mexer no anexo brasileiro", disse a fonte. "E não é nenhuma surpresa. Faz três meses que o presidente Lula avisa que o Brasil vai mexer."
Apesar dos vários pontos de atrito, ainda há uma expectativa, mesmo que pequena, de que o acordo possa ser fechado este ano. A primeira conversa com os europeus deve ocorrer no final deste mês ou no início de setembro.
"Se der tudo muito, mas muito certo mesmo, tem chances", disse a segunda fonte. "Mas há boa vontade de todos os lados. Todo mundo quer fechar esse acordo."