Por Maria Carolina Marcello e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - Após horas de dupla sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira as indicações de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF) e de Paulo Gonet para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Até então ministro da Justiça e Segurança Pública, Dino foi escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar a vaga da ministra Rosa Weber, que se aposentou.
Ele foi aprovado com 47 votos favoráveis, 31 contrários e 2 abstenções -- eram necessários pelo menos 41 votos para autorizá-lo como mais novo ministro da suprema corte. Ministros do governo Lula que são senadores licenciados deixaram seus cargos para assumirem seus mandatos e votarem a favor de Dino.
O placar se assemelha à votação de um outro nome ao Supremo, o ministro André Mendonça, indicado pelo então presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião, foram 47 votos a favor e 32 contrários.
Gonet, que atua como vice-procurador-geral eleitoral interino, foi indicado para um mandato de 2 anos à frente do Ministério Público Federal. Sua indicação foi aprovada com folga, com 65 votos a favor, 11 contrários e 1 abstenção.
TRATAMENTO QUE A LEI PREVÊ
Durante a sabatina na CCJ, Dino argumentou que não é estranha a presença de políticos em supremas cortes tanto no Brasil quanto em outros países e fez questão de ressaltar que, se virasse ministro do STF, atuaria de forma imparcial e sem coloração política. "Todas as togas são da mesma cor", destacou.
Questionado mais de uma vez sobre como se comportaria em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro, de campo político oposto ao seu, Dino afirmou que não irá confundir, caso aprovado pelo Senado, a sua atuação político-partidária com o exercício da magistratura.
"Vários aqui têm mencionado uma confusão entre adversário político e inimigo pessoal. Eu não sou inimigo pessoal de rigorosamente ninguém", disse o indicado.
"Falam 'ah, o Bolsonaro', etc. Eu almocei com o presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto. Ele me convidou, e eu almocei com ele. Foi um almoço normal", argumentou Dino, referindo-se a um encontro quando era governador do Maranhão.
"Então, essa é a nuance que determina a posição jurídica futura, e eu faço questão de sublinhar esses itens, para deixar evidenciado que, se amanhã, qualquer adversário político que eventualmente eu tenha tido, em algum momento, chegar lá, por alguma razão -- e eu espero que não chegue --, evidentemente terá o tratamento que a lei prevê."
DECISÕES MONOCRÁTICAS
O escolhido por Lula para o STF também aproveitou para abordar tema que recentemente tensionou a relação entre o Legislativo e o Judiciário: as decisões monocráticas.
Para ele, medidas tomadas de forma colegiada, caso das leis aprovadas pelo Congresso, só podem ser derrubadas -- salvo raríssimas exceções -- por decisões também colegiadas.
"Se uma lei é aprovada neste Parlamento... é aprovada de forma colegiada, o desfazimento, salvo situações excepcionalíssimas, não pode se dar por decisões monocráticas", defendeu Dino.
No fim de novembro, o Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a atuação de tribunais superiores, restringindo, principalmente, as possibilidades de edição de decisões monocráticas por parte dos ministros.
Em um aceno a senadores conservadores, Dino disse que a descriminalização do aborto deve ser um assunto do Congresso e não do Judiciário. Chegou a dizer que o voto que Rosa Weber antes de se aposentar deu favorável à descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação é "respeitável", mas "desconforme" com o que ele pensa.
PGR
Gonet também foi confrontado com assuntos polêmicos por parte dos senadores, inclusive sobre tema que alimentou a rixa entre o STF e o Congresso, como o casamento homoafetivo.
Apesar de já decidido pelo Supremo, o assunto voltou à tona em projeto analisado pela Câmara dos Deputados, na intenção de contrariar a decisão do tribunal e proibir a equiparação da união homoafetiva ao casamento heterossexual.
"Como jurista, eu estou afeito ao que V. Exas. decidem, ao que o Supremo decide. Se o legislador admite a união estável ou que seja o casamento entre pessoas do mesmo sexo, como jurista, é óbvio que eu tenho que admitir isso também", respondeu Gonet.
"Agora, V. Exa. quer uma opinião pessoal. Vou dar uma opinião pessoal. Eu acho que seria tremendamente injusto que duas pessoas que vivem em conjunto, que vivem juntas, que vivem como se fosse uma unidade familiar não tivessem nenhum reconhecimento desse fato; que, diante de uma separação, não tivessem nenhuma regração do Estado para protegê-los."
Gonet disse que vai ter uma atuação "técnica" na PGR, mas frustrou principalmente questionamentos de senadores da oposição sobre como iria agir em investigações sensíveis como as envolvendo Bolsonaro.
O indicado para PGR defendeu seu parecer que levou o ex-presidente Jair Bolsonaro à inelegibilidade em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).