Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Brasília irá assistir nesta terça-feira um desfile de veículos blindados e outros armamentos das Forças Armadas em frente ao Palácio do Planalto, no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados deve votar em plenário a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)que institui o voto impresso, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro.
De acordo com comunicado divulgado pela Marinha, o desfile ocorrerá para entrega de um convite ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Defesa, Walter Braga Netto, para que assistam a um treinamento anual da Marinha na cidade goiana de Formosa, a cerca de 80 km de Brasília. Segundo a nota, neste ano participarão do exercício também, pela primeira vez, o Exército e a Força Aérea.
A exibição dos veículos militares para a simples entrega de um convite provocou reações, e até mesmo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que referiu-se à realização do desfile no dia da deliberação do voto impresso como uma "trágica coincidência", admitiu que pode haver um adiamento da votação.
Para o presidente da Câmara, a entrega pouco usual do convite "apimenta" o clima e dá margem a interpretações sobre possíveis intenções de pressionar o Congresso em dia de uma votação polêmica.
Já à noite, em outra nota, a Marinha afirmou que o desfile foi planejado antes da definição da data de votação da proposta e não tem relação com o tema. Ressaltou, ainda, que além de Bolsonaro, também serão convidadas outras autoridades, como o vice-presidente da República, ministros de Estado e os presidentes do Senado e da Câmara.
"Cabe destacar que essa entrega simbólica foi planejada antes da agenda para a votação da PEC 135/2019 no plenário da Câmara dos Deputados, não possuindo relação com a mesma, ou qualquer outro ato em curso nos Poderes da República", diz a nota.
"Os eventos buscam valorizar e apresentar, à sociedade brasileira, o aprestamento dos meios operativos da nossa Marinha", argumenta.
Apesar da operação ocorrer todos os anos e os presidentes serem convidados para assistir, não houve outros casos de desfiles de equipamentos militares na Praça dos Três Poderes para a entrega de convite.
Em publicação no Twitter, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), vocalizou o entendimento de muitos de seus colegas, que interpretaram a movimentação como uma tentativa de intimidação.
"Sobre essa história de tanques nas ruas. Não quero crer que isso seja uma tentativa de intimidação da Câmara dos Deputados mas, se for, aprenderão a lição de que um Parlamento independente e ciente das suas responsabilidades constitucionais é mais forte que tanques nas ruas", disse o vice-presidente da Câmara na rede social.
Na mesma linha, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), líder da bancada feminina na Casa, afirmou em post que "tanques na rua, exatamente no dia da votação da PEC do voto impresso, passou do simbolismo à intimidação real, clara, indevida, inconstitucional". Para a senadora, "se acontecer, só cabe à Câmara dos Deputados rejeitar a PEC, em resposta clara e objetiva de que vivemos numa democracia e que assim permaneceremos".
Em outra frente de reações, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentou ação popular para tentar barrar o desfile militar. Também em publicação no Twitter, o parlamentar explicou que pediu à Justiça "que impeça o gasto de recursos públicos em uma exibição vazia de poderio militar".
"As Forças Armadas, instituições de Estado, não precisam disso. Os brasileiros, sofrendo com as consequências da pandemia, também não. O Brasil não é um brinquedo na mão de lunáticos", postou o senador.
A operação está marcada para começar de fato no dia 16, mas o desfile para a entrega do convite ocorrerá na terça, data em que o presidente da Câmara planeja colocar em votação a emenda do voto impresso para urnas eletrônicas, mesmo após o texto ter sido derrotado na Comissão Especial que analisava a PEC.
Nas últimas semanas, Bolsonaro --que, de acordo com as pesquisas, perde popularidade e seria derrotado nas eleições de 2022-- aumentou o tom contra autoridades de outros Poderes e transformou a urna eletrônica em sua pior inimiga, alegando possibilidade de fraudes nas eleições sem apresentar provas.
Em meio a seus arroubos, chegou a dizer, mais de uma vez, que se a PEC do voto impresso não fosse aprovada, não haveria eleições em 2022. Pressionado, voltou atrás, mas não reduziu os ataques, seguindo no esforço de mobilizar sua base mais radical.
Um dos discursos do presidente é justamente tentar mostrar que tem o apoio das Forças Armadas para suas ações. Braga Netto, que foi ministro da Casa Civil e é general da reserva, é um dos militares que têm reforçado o apoio a Bolsonaro.
(Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello)