Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - Além da Medida Provisória para regulamentar apostas online, o governo prepara um projeto de lei que prevê a criação de agência reguladora do setor e um decreto para instituir grupo de trabalho que discutirá o combate a fraudes e portarias com normas específicas, disseram à Reuters duas fontes do governo, em medidas que podem alongar os debates antes da adoção de ações práticas.
Com a explosão do mercado das “bets”, liberado no país desde 2018 embora não exista regulamentação específica para o setor, o governo corre para implementar regras em meio a investigações sobre manipulação de resultados de partidas de futebol para favorecer apostadores.
A MP, que entrará em vigor imediatamente após a publicação do texto pelo governo, apesar de exigir futura aprovação do Congresso, vai instituir tributação sobre o setor e trazer diretrizes para mitigação de fraudes. A edição da medida vem sendo adiada e, segundo o governo, está em fase de finalização.
No entanto, a regulamentação apenas estará completa após a conclusão de iniciativas que usualmente demandam tempo de amadurecimento. Na primeira delas, a criação de uma agência autônoma para regular e fiscalizar o setor não será incluída na MP, mas enviada separadamente em um projeto de lei, que não tem validade imediata e pode ter longo processo de debate no Congresso antes da aprovação.
Pela MP, caberá ao Ministério da Fazenda avaliar e liberar as empresas de aposta, além de fiscalizar e autuar infrações administrativas.
Uma das fontes afirmou que houve entendimento de que uma MP não seria o instrumento adequado para criar a agência. A Reuters ouviu outra fonte, da área jurídica do governo, que, sob condição de anonimato, disse não haver essa restrição, citando como exemplo a MP que transformou em autarquia especial a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, um órgão com natureza similar ao que cuidará das apostas esportivas.
Em um segundo ponto de atenção, as regras específicas de combate a fraude e manipulação de resultados serão tratadas em portarias editadas pelos ministérios, instrumentos que devem ser publicados após a criação de um grupo de trabalho, disse essa autoridade.
Um decreto será editado para criar o grupo, que contará com a participação dos ministérios da Justiça, Fazenda e Esporte, além de Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Instituto Brasileiro do Direito Desportivo e entidades representativas das casas de apostas.
Grupos de trabalho do governo normalmente demandam tempo para implementação e discussão, com a definição de prazo para apresentar uma proposta final. A fonte afirma, porém, que o debate prévio sobre o tema já está maduro e o grupo terá condição de apresentar sugestões com celeridade.
CÓDIGO PENAL
Essa autoridade disse que o governo está correndo para fazer uma regulamentação para preencher um vácuo que existe há mais de quatro anos, ponderando que atos ilícitos nessa área já são enquadrados na legislação brasileira.
“O Código Penal traz os dispositivos de punição, o que queremos trabalhar é a prevenção e a identificação, subsidiar os procedimentos penais”, ressaltou.
O tema ganhou força na última semana após denúncia de possível fraude no futebol brasileiro. A Polícia Federal vai apurar suposto esquema de manipulação de partidas para beneficiar apostadores revelado pelo Ministério Público de Goiás, que indiciou 16 pessoas, incluindo sete jogadores profissionais.
De acordo com a fonte, o grupo de trabalho deve propor o uso de instrumentos de inteligência artificial para captar em tempo real comportamentos atípicos em partidas e em apostas. Após a identificação, a empresa receberia um alerta para suspender aquela aposta específica.
Segundo ela, o acompanhamento teria apoio das casas de apostas, que são consideradas vítimas das fraudes, já que resultados manipulados acabam distorcendo o processo e “quebram a banca”.
Em outra frente de atuação, 2,55% do total arrecadado com a tributação do setor serão destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública. Segundo a fonte, o dinheiro será usado para criar e contratar tecnologias de fiscalização, além de equipar as polícias.
O CEO da casa de apostas Esportes da Sorte, Darwin Filho, avalia que o melhor instrumento para criação da agência fiscalizadora é o projeto de lei e reconhece que “esse é um processo moroso”. Ele defende outras ações de mitigação de fraudes, como o intercâmbio de dados entre o governo e empresas para capturar eventos atípicos.
O CEO da empresa Galerabet, Marcos Sabiá, afirma que o amadurecimento do debate mostrou que o tema das apostas online não é restrito à tributação. Segundo ele, o ecossistema completo do setor também dependerá da adoção das medidas com detalhamento infralegal para efetivo combate a fraudes.
(Edição de Flávia Marreiro)