Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - Em um julgamento histórico marcado pela defesa do Judiciário e até da democracia brasileira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), decidiu tornar inelegível o ex-presidente Jair Bolsonaro na ação a que respondeu por ter promovido, quando presidia o país em julho passado, uma reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada para atacar o sistema eletrônico de votação.
Após quatro sessões de julgamento e nenhum pedido de vista, como chegou a ser aventado nos bastidores e desejado por Bolsonaro, o tribunal teve cinco votos a favor da condenação do ex-presidente à perda do direito de concorrer a cargo eletivo até 2030 sob a acusação de ter cometido abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Apenas dois rejeitaram o pedido apresentado pelo PDT.
Prevaleceu o voto do relator da ação, Benedito Gonçalves, apresentado na terça-feira.
Os ministros, por unanimidade, rejeitaram punir o então candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, o ex-ministro e general da reserva Walter Braga Netto.
Após a conclusão do julgamento nesta sexta-feira, o advogado de Bolsonaro, Tarcísio Vieira, disse que vai esperar a publicação do acórdão -- resumo com as principais teses jurídicas envolvidas no julgamento -- para decidir se vai recorrer ao próprio TSE e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A defesa de Bolsonaro tinha afirmado antes do início do julgamento que iria recorrer da decisão até o STF alegando eventual cerceamento de defesa. Um dos argumentos seria o fato de não ter sido retirada a chamada "minuta do golpe" do processo. Também cabe recurso ao TSE para tentar aclarar eventuais pontos obscuros da decisão -- os chamados embargos de declaração.
Contudo, fontes do TSE e do STF ouvidas pela Reuters avaliam que as chances de reversão da decisão sacramentada nesta sexta é baixa, mesmo que vá ocorrer mudanças na composição das duas cortes superiores.
VOTO DECISIVO
Na sessão desta sexta, coube à ministra Cármen Lúcia, atual vice-presidente do TSE e única mulher entre os julgadores, dar o voto decisivo que formou a maioria favorável à inelegibilidade do ex-presidente até 2030 sob a acusação de ter cometido abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
A magistrada destacou que os fatos são "incontroversos", que o encontro foi convocado pelo presidente sem o envolvimento do Itamaraty -- a quem por lei cabe fazer o relacionamento do governo com representações diplomáticas -- e que ocorreu um "monólogo".
Cármen fez um desagravo ao presidente do tribunal e aos ex-presidentes da corte Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, que foram alvos de ataques de Bolsonaro na reunião com embaixadores. Ela aproveitou para fazer uma enfática defesa do Poder Judiciário.
"Não se pode um servidor público, em espaço público, com divulgação pública, fazer achaques contra ministros do Supremo como se não tivesse atacando o Poder Judiciário; desqualificar o Judiciário é atacar a democracia", ressaltou.
Após o voto de Cármen Lúcia, o ministro Nunes Marques deu o segundo voto para rejeitar a ação contra Bolsonaro. Ele minimizou o fato de o encontro ter ocorrido no Palácio da Alvorada, residência oficial.
Em seu voto, Nunes Marques disse que Bolsonaro sempre fez críticas ao uso das urnas eletrônicas e que os questionamentos ao sistema ocorrem desde a época da adoção desse modelo de votação, na década de 1990. Para o magistrado, a atuação do então presidente na reunião não se voltou para desacreditar o sistema eleitoral.
Último a votar, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, disse que Bolsonaro e os demais candidatos na disputa de 2022 foram avisados sobre possíveis punições de quem buscasse divulgar notícias falsas. Destacou que o então presidente, na reunião com embaixadores, usou a estrutura pública para deslegitimar as eleições.
"Todo o mise-en-scène, a produção foi feita para que a TV Brasil divulgasse, mais do que isso, que a máquina existente de desinformação multiplicasse essa informação, que chegasse ao eleitorado", afirmou.
Para Moraes, Bolsonaro atacou o sistema após 40 anos tendo sido eleito para cargos eletivos. "Isso não é liberdade de expressão, é conduta vedada", ressaltou.
Durante o julgamento, o presidente do TSE disse que a Justiça Eleitoral se preparou para evitar a atuação do que chamou de milícias digitais nas eleições de 2018 e que quem agisse dessa forma seria punido.
"É de gravidade ímpar um presidente da República, candidato à reeleição, se utilizar desses mecanismos", afirmou.
Votaram para condenar Bolsonaro, além de Benedito, Cármen e Moraes, os ministros Floriano Marques e André Ramos. Além de Nunes Marques, o outro voto contrário foi do ministro Raul Araújo.
"FACADA NAS COSTAS"
Em fala a repórteres em Belo Horizonte, Bolsonaro disse que levou uma "facada nas costas".
“Há pouco tempo, levei uma facada na barriga. E hoje tomei uma facada nas costas com a inelegibilidade e abuso de poder político“, afirmou.
Bolsonaro disse também acreditar que foi julgado por investigações que ainda não foram concluídas -- caso dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro --, e não pela reunião com embaixadores, foco central do caso. O ex-presidente alegou que não teve participação nos protestos bolsonaristas contra os resultados das eleições.