Por Ricardo Brito
(Reuters) - Na conversa gravada com o presidente Michel Temer, o empresário Joesley Batista, um dos controladores da JBS (SA:JBSS3), confessou ter pago propina a um procurador da República para ter acesso antecipado a investigações que o envolvia, reclamou de nomeações para cargos importantes no governo, defendeu uma queda mais acentuada da taxa Selic e disse que "zerou" as pendências com o ex-deputado Eduardo Cunha.
O diálogo de quase 39 minutos com o presidente, que fez parte de uma ação policial controlada feita com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), serviu de base para a abertura nesta quinta-feira de inquérito pelo ministro Edson Fachin contra Temer.
A conversa dos dois ocorreu no dia 7 de março no Palácio do Jaburu e, segundo o empresário, era a primeira vez que eles se encontravam desde que o peemedebista assumira o comando do país.
O empresário afirmou a Temer que "zerou" todas as pendências que tinha com Cunha e que estava "de bem" com o ex-deputado preso. "Tem que manter isso, viu?", disse Temer, interrompendo a fala de Batista. "Todo mês, também, eu estou segurando as pontas, estou indo", completou o empresário.
Esta simples frase "tem que manter isso, viu?" gerou a maior crise política do governo Temer desde sua divulgação pela primeira vez na época, em notícia que afirmava que o presidente tinha dado aval para a compra do silêncio de Cunha.
A prisão de Cunha, em outubro do ano passado, sempre gerou temor em integrantes do governo Temer de que o ex-presidente da Câmara --que era próximo do presidente-- pudesse fazer um acordo de delação premiada.
Na conversa com o presidente, Joesley disse que Cunha tinha lhe feito exigências, que, posteriormente, ele cumpriu.
"Eu queria falar assim. Dentro do possível, eu fiz o máximo que deu ali, zerei tudo, o que tinha de alguma pendência daqui para ali, zerou tudo. E ele foi firme em cima e já estava lá, veio, cobrou, tal, tal, tal. Pronto. Acelerei o passo e tirei da fila", disse Joesley a Temer.
Pouco antes desse trecho do diálogo, o presidente afirmara que Cunha havia resolvido fustigá-lo. Temer citou o fato de o juiz Sérgio Moro ter excluído 21 perguntas que Cunha fez para ele, arrolado como testemunha do processo. "Eu não tenho nada a ver com a defesa dele. Eu não fiz nada", disse.
Na maior parte da conversa com o empresário, de 38 minutos, Temer permanece calado ou fala pouco. É Joesley quem conduz a conversa, fazendo perguntas ou comentários.
PROCURADOR
O empresário relatou ao presidente sua preocupação com o avanço das investigações na Justiça Federal de Brasília da operação Greenfield que envolviam a JBS, a maior processadora de carnes do mundo.
Mas admitiu a Temer, segundo o diálogo, ter pago recursos a um procurador da República que integrava a força-tarefa para lhe repassar informações da apuração. Trata-se do procurador Ângelo Goulart Villela, preso nesta quinta-feira por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
"Tô fazendo 50 mil reais por mês, me dá informação, pelo menos me dá informação", disse Joesley, que também mencionou a influência que teria sobre um juiz do caso.
Já à noite, a assessoria de Temer divulgou uma nota justificando porque o presidente não tomou nenhuma providência sobre esses comentários.
"O presidente Michel Temer não acreditou na veracidade das declarações. O empresário estava sendo objeto de inquérito e por isso parecia contar vantagem", diz a nota. "O presidente não poderia crer que um juiz e um membro do Ministério Público estivessem sendo cooptados."
NOMEAÇÕES
No diálogo, Joesley reclamou de algumas nomeações para o governo. Ele se queixou da indicação de Maria Silvia Bastos para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), destacando que o órgão, vinculado ao Ministério do Planejamento, era "terreno" do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
O empresário também pediu mudanças na chefia da Receita Federal, citando até já ter falado com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sobre a permanência do atual secretário. Jorge Rachid, no cargo.
Ele defendeu ainda trocas no Conselho de Administração de Defesa da Concorrência (Cade) e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Aliás, Batista recebeu o apoio de Temer nas demandas perante Henrique Meirelles --o titular da Fazenda foi presidente do Conselho de Administração da holding J&F. Segundo o empresário, Meirelles tinha de saber que estava em "sintonia" com Temer. "Pode fazer", avaliza Temer.
CONSCIÊNCIA POLÍTICA DO TSE
Num dos poucos momentos em que Temer falou mais durante o encontro, o presidente disse a Joesley que não acreditava que perderia o mandato no processo da chapa Dilma-Temer do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Perguntado pelo empresário sobre a situação do processo, Temer respondeu: "Está tudo bem. O negócio (processo do TSE) tá com o Herman Benjamin agora. É um negócio meio maluco. Primeiro que eu acho que não passa o negócio da minha cassação, porque eles têm uma consciência política de 'porra, mais um presidente!".
O presidente mencionou ainda que, em caso de condenação pelo TSE, ainda cabe recurso ao STF e que, nesse cenário, o mandato dele já terá encerrado. O julgamento da ação, que começou no início de abril, será retomado a partir do dia 6 de junho.
JUROS
Na descontraída conversa, o presidente também tratou com o empresário do momento econômico do país. Joesley Batista disse que a economia estava bem, mas observou que seria necessário baixar os juros rápido.
Temer respondeu: "Eu tenho a impressão que na próxima vez já desce 1 ponto e vai descendo responsavelmente". De fato, na reunião seguinte do Comitê de Política Monetária (Copom), de abril, houve o corte de 1 ponto percentual --com a Selic chegando aos atuais 11,25 por cento.