BRASÍLIA (Reuters) - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em sua primeira entrevista à imprensa desde que foi preso há pouco mais de um ano, que o país está sendo governado por um "banco de malucos", revelou ter recusado conselhos de aliados para deixar o país na iminência da prisão e fez duras críticas ao ministro da Justiça e primeiro juiz que o condenou na operação Lava Jato, Sérgio Moro, a quem diz querer "desmascarar".
"Vamos fazer uma autocrítica geral nesse país. O que não pode é esse país estar sendo governado por esse bando de malucos que governa o país. O país não merece isso e sobretudo o povo não merece isso", afirmou o ex-presidente, ao defender uma autocrítica da elite brasileira após a eleição do presidente Jair Bolsonaro.
Depois de uma batalha jurídica --em que foi proibido de ser entrevistado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durante a campanha eleitoral--, o ex-presidente falou com os jornais Folha de S.Paulo e El País na sede da Polícia Federal em Curitiba, onde cumpre pena por condenação por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do tríplex do Guarujá (SP).
Na entrevista, Lula fez críticas a Bolsonaro, embora não tenha sido taxativo em relação ao presidente. Disse que "ou ele constrói um partido sólido, ou não perdura".
Ao ser perguntado se se dava conta de que poderia passar o resto da vida preso, disse não ter problema com isso, mas que vai provar sua inocência.
"Adoraria estar em casa com minha mulher, meus filhos, meus netos, meus companheiros, mas eu não faço nenhuma questão porque eu quero sair daqui com a cabeça erguida como eu entrei. Inocente. E só posso fazer isso se eu tiver coragem e lutar com isso", afirmou.
Lula conta que, quando ficou claro que o objetivo era prendê-lo, aliados lhe disseram para sair do país, se refugiar numa embaixada ou até fugir. Mas ele afirmou ter tomado uma decisão de que deveria ficar e mirou seus ataques aos principais personagens envolvidos em sua condenação.
"Eu tenho tanta obsessão de desmascarar o Moro, desmascarar o Deltan Dallagnol (coordenador da Lava Jato no Ministério Público Federal) e a sua turma e desmascarar aqueles que me condenaram que eu ficarei preso durante 100 anos, mas eu não trocarei a minha dignidade pela minha liberdade", disse.
"Eu tenho certeza que eu durmo todo dia com a minha consciência tranquila. Tenho certeza que o Dallagnoll não dorme e que o Moro não dorme", reforçou. “Sei muito bem qual lugar que a história me reserva. E sei também quem estará na lixeira.”
Na entrevista, o ex-presidente se mostrou esperançoso em uma eventual vitória futura no STF no seu processo. Disse que o Supremo teve "coragem" em analisar uma série de casos, como a liberação das pesquisas com células-tronco, na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em permitir a união homoafetiva "contra todo o preconceito evangélico" e a favor da adoção das cotas para negros nas universidades, em decisões contrária a boa parte da opinião pública.
"Ela (A Suprema Core) já demonstrou que teve coragem e se comportou. No meu caso, a única coisa é que votem em relação aos autos do processo. Não peço favor a ninguém", disse.
Na parte da entrevista que foi divulgada pelos veículos, não há comentário dele a respeito da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a condenação no caso do tríplex, mas reduziu a pena para 8 anos e 10 meses de prisão, o que poderia abrir a possibilidade para que tenha direito a pedir a progressão para o regime semiaberto --em que teria direito a trabalhar fora da cadeia de dia e voltar à noite-- a partir de setembro.
Em pelo menos um momento divulgado pelos jornais, Lula mostrou emoção e chorou, quando foi perguntado sobre a morte do neto, Arthur, de 7 anos, no mês passado, e da morte do irmão Vavá, em janeiro deste ano.
Apesar da lei de execuções penais prever a autorização para presos irem ao velório e enterro de parentes próximos, o ex-presidente não pôde comparecer ao enterro do irmão. No entanto, foi autorizado a sair por algumas horas para o velório e cerimônia de cremação do neto.
"A morte do meu neto é uma coisa que não... Às vezes penso que seria tão mais fácil se eu tivesse morrido... já vivi 73 anos, poderia morrer e deixar meu neto viver", disse, chorando.
"Mas não são apenas esses momentos que deixam a gente triste. Eu sou um homem que tento ser alegre, que tento trabalhar muito essa questão do ódio. Eu trabalho muito para vencer a questão do ódio, da mágoa profunda. Eu tenho muitos momentos de tristeza aqui. O que me mantém vivo, que eles têm que saber, é meu compromisso com esse país."
O ex-presidente disse ter preocupação com seus familiares --citando o fato de que ele está com os bens bloqueados. Mas ele destacou que também se preocupa com o Brasil, ao citar que antes o país era uma referência e que a situação atual é uma "avacalhação".
Os jornalistas ficaram por mais de duas horas com o ex-presidente, em uma sala de reuniões na sede da PF, em Curitiba, onde Lula está preso desde 7 de abril do ano passado.
Segundo as reportagens, pelas regras da PF, os jornalistas teriam que ficar a quatro metros da sala. No entanto, de acordo com vídeo publicado pela Folha de S.Paulo, Lula, ao chegar na sala, cumprimentou e abraçou os jornalistas, antes de sentar na sua mesa.
(Reportagem de Ricardo Brito E Lisandra Paraguassu)