(O autor é editor de Front Page do Serviço Brasileiro da Reuters. As opiniões expressas são do autor do texto)
Por Alexandre Caverni
SÃO PAULO (Reuters) - O presidente interino Michel Temer precisa abandonar o discurso, mais retórico do que real, de que em assunto do Legislativo o Executivo não pode e não vai se intrometer, se quiser evitar estragos na base governista com a disputa pela sucessão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara.
Com a renúncia anunciada na tarde desta quinta-feira, aumenta a urgência para o Palácio do Planalto entrar no jogo, porque a sucessão não é mais algo que vai acontecer em algum momento, ela está acontecendo agora.
O maior perigo para Temer nessa disputa, ainda que não seja o único, é que aconteça uma forte trombada entre o chamado centrão e a antiga oposição ao governo da presidente afastada Dilma Rousseff, formada basicamente por PSDB, DEM e PPS, partidos que hoje não só apoiam o governo no Congresso, como ocupam ministérios.
Para se ter ideia desse risco, deputados dessas legendas já conversavam com parlamentares da nova oposição --formada por PT, PDT e PCdoB-- para discutir nomes e apoios para eleger alguém que não seja aliado de Cunha, antes mesmo de sua renúncia.
Ainda que o agora ex-presidente da Câmara não controle todos os deputados do centrão, ele exerce uma forte influência sobre o bloco como um todo, daí que, para se apoiar um candidato que não seja ligado a Cunha, dificilmente se pode votar num deputado dos partidos do centrão.
E isso tudo sem falar no PMDB, de Temer e Cunha, que tem a maior bancada individual da Câmara e, por isso, poderia reivindicar, como fez em outros momentos, o direito tradicional de ter um dos seus deputados como presidente da Casa.
Se a escolha de um peemedebista poderia parecer uma solução intermediária entre as duas posições, ela parece muito pouco provável agora que, além do presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), o PMDB ocupa a própria Presidência da República.
O possível tumulto em torno dessa disputa pode lembrar a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE), em 2005, quando Virgílio Guimarães insistiu em sua candidatura contra o também petista Luiz Eduardo Greenhalgh, nome escolhido como candidato oficial do partido naquela ocasião.
Se o PT tivesse tido apenas um candidato, muito provavelmente teria conseguido elegê-lo como presidente. Mas com um independente e outros três nomes na disputa, a eleição foi para o segundo turno e oposição e baixo clero viram a oportunidade de dar um passa moleque no governo Lula. Com isso, Severino foi eleito.
Ainda que o deputado do PP não fosse de oposição ao governo e não tenha criado problemas para o Palácio do Planalto, sua eleição foi a primeira grande derrota política de Luiz Inácio Lula da Silva no comando do país. Severino, envolvido num escândalo, acabou renunciando alguns meses depois de eleito.
No cenário atual, com a correlação de forças existente na Câmara, o Palácio do Planalto poderá cantar vitória seja quem for o candidato que conseguir o cargo. Não existe nenhuma chance de um petista ou outro oposicionista ser eleito.
A questão é como vai se chegar ao final da disputa, se vão sobrar sequelas e quais elas serão. Se os partidos governistas chegarem à eleição sem um mínimo de consenso, o lado derrotado pode guardar mágoas e rancores que são sempre perigosos em momentos de votações importantes.
Mas lembrando que Temer foi presidente da Câmara três vezes, ninguém mais qualificado do que ele para lidar com essa situação e se sair bem.
Além do presidente interino, os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, têm enorme experiência parlamentar, sendo que o primeiro, conhecido como o homem das planilhas, é um especialista em fazer projeções no Congresso, vide seu trabalho na votação do impeachment de Dilma na Câmara.
O que precisa ser feito, se o governo quiser sair bem dessa história, não é impor um candidato a todos os grupos na disputa, evidentemente. O trabalho do Palácio do Planalto é atuar para reduzir os postulantes --fala-se até em 13 deputados buscando o cargo-- e costurar consensos mínimos em torno dos restantes.
Não é preciso, nem possível, uma unanimidade, mas Temer tem que garantir, pelo menos entre os candidatos com chance de vitória, nomes que sejam palatáveis para todas as alas governistas.