Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira que foi sua a decisão de recomendar ao futuro titular das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que o Brasil não fosse sede da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP 25, episódio esse que expôs a desarticulação do nova gestão, uma vez que dois outros ministros deram justificativas distintas para o caso.
Em entrevista coletiva no gabinete de transição em Brasília, Bolsonaro foi questionado sobre o motivo da desistência de o país sediar a COP 25, no próximo ano, mas o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni --que estava ao lado do presidente eleito-- sussurrou uma resposta, captada pelos gravadores.
"Nós não temos nada a ver com isso. Isso é uma decisão do Itamaraty", murmurou Onyx.
A fala do futuro ministro da Casa Civil, contudo, foi ignorada por Bolsonaro ao responder sobre o motivo do cancelamento do país sediar a COP dando outra justificativa.
"Houve participação minha nessa decisão. O nosso futuro ministro, eu recomendei para que evitasse a realização desse evento aqui no Brasil. Até porque, e eu peço que vocês nos ajudem, está em jogo o triplo A nesse acordo. O que é o triplo A? É uma grande faixa que pega do Andes, a Amazônia e Atlântico, de 136 milhões de hectares, ao longo das calhas do rio Solimões e Amazônia, que poderá fazer com que percamos a nossa soberania nessa área", disse. A ideia é que essa faixa seja um corredor ecológico.
"Então eu quero deixar bem claro, como futuro presidente, que se isso for o contrapeso nós teremos uma posição que pode contrariar muita gente, mas que vai estar de acordo com o pensamento nacional. Então não quero anunciar uma possível ruptura dentro do Brasil. Além dos custos, que seriam muito exagerados, tendo em vista o déficit que nós já temos no momento", completou.
Menos de uma hora depois, em sua primeira entrevista coletiva após ser confirmado como novo ministro do Turismo, o deputado federal eleito Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), defendeu inicialmente que um evento do porte da COP tem de ser realizado no país.
"A COP 25, é claro, eu acho que todo evento de porte realizado no país é de importância a gente precisa discutir a questão climática e todos os outros temas que estão relacionados", disse, no primeiro momento.
Em seguida, o novo ministro foi confrontado na coletiva com a opinião do próprio Bolsonaro contrária ao evento e disse: "Não conversei com o presidente ainda se a posição dele é essa. Obviamente a gente respeita, mas vou conversar com ele para a gente ter um alinhamento das ideias. A gente ainda precisa entender o impacto na visibilidade do Brasil aqui e no exterior."
DIFICULDADES
Mais cedo, o Itamaraty havia confirmado que o governo brasileiro desistira de sediar a próxima COP prevista para novembro de 2019, alegando dificuldades orçamentárias.
O Brasil havia apresentado sua candidatura em outubro deste ano, com o endosso dos países da América Latina e Caribe, sob a alegação que, com a rotação tradicional das sedes, caberia à região receber a conferência. A decisão seria tomada na próxima semana pelo painel de mudanças climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), em reunião na Polônia.
À época, o governo brasileiro afirmou que a candidatura "confirma o papel de liderança mundial do país em temas de desenvolvimento sustentável, em especial no que se refere à mudança do clima, e reflete o consenso da sociedade brasileira sobre a importância e a urgência de ações que contribuam no combate à mudança do clima."
Na terça-feira, em uma carta enviada à secretária-executiva da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima, Patrícia Espinosa, o governo brasileiro informou da sua desistência em sediar a COP-25, alegando questões orçamentárias e a posse de um novo governo em 2019.
"O governo brasileiro conduziu análise minuciosa dos requisitos para sediar a COP 25. A análise enfocou, em particular, as necessidades financeiras associadas à realização do evento", informou o Itamaraty após questionamento da Reuters.
"Tendo em vista as atuais restrições fiscais e orçamentárias, que deverão permanecer no futuro próximo, e o processo de transição para a recém-eleita administração, a ser iniciada em 1º de janeiro de 2019, o governo brasileiro viu-se obrigado a retirar sua oferta de sediar a COP 25."
Os recursos previstos para receber a conferência já estavam previstos no Orçamento de 2019, mas a disposição do novo governo com as questões das mudanças climáticas é bastante diferente dos governos brasileiros até hoje.
Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito Jair Bolsonaro ameaçou sair do Acordo de Paris, assinado ainda no governo de Dilma Rousseff, mas ratificado em 2016, já no governo de Michel Temer --que comemorou ser o primeiro presidente a depositar a ratificação na ONU.
O chanceler indicado por Bolsonaro, Ernesto Araújo, também não mostra apreço pelo tema. Em um dos textos em seu blog, Araújo afirma que há um "alarmismo climático" e que se criou um "dogma" do aquecimento global, "apesar das evidências em contrário".
(Com reportagem adicional de Lisandra Paraguassu)