BRASÍLIA (Reuters) - Em depoimento por escrito à comissão especial do impeachment do Senado, a presidente afastada Dilma Rousseff afirmou nesta quarta-feira ser vítima de uma farsa jurídica e política por não ter cedido ao que chamou de chantagens e atacou a legitimidade do governo do presidente interino Michel Temer.
O depoimento, lido na comissão pelo advogado da presidente, o ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo, alega ainda que o mandato de Dilma não poderia ser interrompido devido a “atos de rotina da gestão orçamentária”.
O pedido de impeachment acusa a petista de crime de responsabilidade por atrasos de repasses do Tesouro ao Banco do Brasil (SA:BBAS3) por conta do Plano Safra, as chamadas pedaladas fiscais, e pela edição de decretos com créditos suplementares sem autorização do Congresso.
“O que mais dói neste momento é a injustiça. O que mais dói é perceber que estou sendo vítima de uma farsa jurídica e política”, diz a presidente no documento lido nesta quarta por Cardozo.
“Sou alvo dessa farsa porque, como presidenta, nunca me submeti a chantagens. Não aceitei fazer concessões e conciliações escusas, de bastidores, tão conhecidas da política tradicional do nosso país... É por ter repelido a chantagem que estou sendo julgada. Este processo de impeachment somente existe por eu ter rechaçado o assédio de chantagistas”, diz a presidente.
Dilma alerta no depoimento escrito que caso seja efetivado, o governo Temer simbolizará a volta da eleição indireta, algo combatido nos anos de ditadura militar no Brasil, e que a interrupção de seu mandato trará grande risco aos cidadãos brasileiros.
“O maior risco para o Brasil neste momento é continuar a ser dirigido por um governo sem voto. Um governo que não foi eleito diretamente pela população não terá legitimidade para propor saídas para a crise”, defende.
“Um governo sem respaldo popular não resolverá a crise porque será sempre, ele próprio, a crise.”
Dilma voltou a negar que tenha cometido qualquer crime de responsabilidade e reafirmou que o processo de impedimento foi uma atitude de desvio de poder.
A petista refere-se ainda a áudio gravado de forma oculta em março em que o senador Romero Jucá (PMDB-RR) sugere ao o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado que uma mudança no governo federal resultaria em um pacto para “estancar a sangria" da operação Lava Jato, que investiga ambos.
“Como disse um dos líderes mais importantes do governo interino, o senador Romero Jucá, era preciso me destituir da Presidência da República para que, enfim, fosse possível um acordo que esvaziasse as operações policiais contra a corrupção e fosse estancada a ‘sangria’ resultante dessas investigações”, diz a presidente no depoimento à comissão do impeachment do Senado.
“Várias outras declarações de integrantes do grupo que apoia ou está hoje no governo confirmaram esta revelação: era preciso me derrubar para ter uma chance de escapar da ação da Justiça.”
Dilma aponta ainda uma ação de seus adversários políticos, que ao seu ver, derrotados nas eleições de 2014, apoiaram seu processo de impeachment por não aceitarem o resultado das urnas.
Também afirmou que “comete um ledo engano” quem alimentar a expectativa que ela abandone “a luta” em defesa de seu mandato.
A presidente afastada encerrou o depoimento de forma dura, incisiva, argumentando que o país não merece uma nova “ruptura democrática”.
“Devemos mostrar, finalmente, que sabemos dizer não a todos os que, de forma elitista e oportunista, agindo com absoluta falta de escrúpulos, valem-se da traição, da mentira, do embuste e do golpismo, para hipocritamente chegar ao poder e governar em absoluto descompasso com os desejos da maioria da população.”
(Por Maria Carolina Marcello)