O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista (mais tempo para análise) e suspendeu nesta sexta-feira, 27, o julgamento sobre a extensão do foro privilegiado. A maioria está formada para reconhecer que autoridades mantém a prerrogativa mesmo após deixarem os cargos.
Não há data para a retomada do julgamento. O prazo para a devolução dos pedidos de vista é de 90 dias, como prevê o regimento interno do STF. Após a liberação, cabe à presidência do Supremo pautar novamente o caso.
É o terceiro pedido de vista desde que o julgamento foi iniciado no plenário virtual, em março. Nesta modalidade, os votos são registrados na plataforma online, sem debate presencial ou por videoconferência.
O placar está em 6 a 2 a favor da ampliação do foro. Faltam votar o próprio Nunes Marques e os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Idas e vindas
Em 2018, após um ano de debates e diversas interrupções no julgamento, o STF bateu o martelo: estava na hora de restringir o alcance do chamado foro por prerrogativa de função. Desde então, inquéritos e processos criminais envolvendo autoridades como deputados e senadores só precisam começar e terminar no STF se tiverem relação com o exercício do mandato.
Agora, o tribunal recua e propõe que, quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido, mesmo após a saída das funções. O ministro Gilmar Mendes, relator do processo, pautou o debate. Ele argumentou que é preciso "recalibrar os contornos" do foro.
A expectativa é detalhar melhor a tese a partir de controvérsias que se apresentaram ao últimos seis anos, sem retornar ao modelo anterior, que foi reformado justamente para baixar o volume de ações criminais após o Mensalão.
A discussão ganhou tração em meio à transferência das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ao STF. O deputado Chiquinho Brazão, denunciado como mandante do crime, era vereador na época. O ministro Alexandre de Moraes, no entanto, argumentou que houve tentativas de obstrução do inquérito quando ele já tinha assento na Câmara dos Deputados, o que em sua avaliação justifica o deslocamento do caso ao Supremo.
O pano de fundo do julgamento é um habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). Ele é réu em uma ação penal na Justiça Federal do Distrito Federal por suspeita operar um esquema de rachadinha quando foi deputado. A defesa nega as acusações e alega que o processo deveria tramitar no Supremo, porque desde então ele exerce cargos com prerrogativa de foro.
Uma das zonas cinzentas envolvendo o alcance do foro é justamente o cenário dos "mandatos cruzados" - quando um deputado (estadual ou federal) ou senador troca de Casa Legislativa. Em 2021, a Segunda Turma manteve o foro do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das "rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o que levou ao arquivamento da denúncia.
Quem tem direito a foro privilegiado no Brasil?
Mesmo com a mudança em 2018, o escopo do foro privilegiado no Brasil é amplo em termos comparativos, sobretudo pela lista de autoridades que têm direito a ele - de políticos a embaixadores e magistrados de tribunais superiores. Países como Japão, Argentina e Estados Unidos não preveem um foro específico em função do cargo público, embora concedam imunidade ao presidente. Em outros, como na França, a prerrogativa se estende apenas ao chefe do Executivo e aos ministros de Estado.
Veja quem tem direito ao foro:
- Presidente da República;
- Vice-Presidente;
- Deputados;
- Senadores;
- Procurador-Geral da República;
- Ministros de Estado;
- Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;
- Membros de Tribunais Superiores;
- Chefes de missão diplomática de caráter permanente.