AMSTERDÃ/NICÓSIA (Reuters) - A produção econômica global sofrerá uma perda "considerável" se o comércio se tornar mais fragmentado e o impacto inicial altista para a inflação só se reverteria ao longo de alguns anos, disse o economista-chefe do Banco Central Europeu (BCE), Philip Lane, nesta quinta-feira.
Seus comentários foram o alerta mais contundente feito até agora pelo BCE sobre as consequências de uma guerra comercial global, que tem sido a principal preocupação de investidores desde que Donald Trump venceu a eleição presidencial dos Estados Unidos neste mês com uma agenda protecionista.
"A fragmentação do comércio acarreta perdas consideráveis à produção", disse Lane em slides preparados para um discurso em Amsterdã.
Lane previu um cenário no qual o comércio global está cada vez mais dividido entre os países ocidentais e um Oriente liderado pela China.
Ele calculou que o impacto na produção global seria entre 2%, se todos os setores fossem atingidos por restrições parciais ao comércio, e quase 10% em caso de proibição total.
Suas estimativas para a União Europeia foram de magnitude semelhante, enquanto os EUA se sairiam um pouco melhor do que isso e a China, muito pior.
"Em todos os cenários, a China é atingida", disse Lane durante sua apresentação.
Os efeitos inflacionários globais só "diminuiriam gradualmente" ao longo de quatro ou cinco anos, depois de um aumento inicial de 60 pontos-base em um "cenário de desacoplamento moderado" e de até quase 400 pontos-base em hipóteses mais severas, disse Lane.
Em um discurso anterior no Chipre, Christodoulos Patsalides, presidente do banco central do Chipre, disse que a Europa pode enfrentar uma recessão associada a uma inflação alta se Trump impor as tarifas que ele ameaça.
"As tensões comerciais estão aumentando", disse Patsalides em uma conferência. "Se as restrições comerciais se concretizarem, o resultado poderá ser inflacionário, recessivo ou pior."
Ainda assim, o BCE pode, por enquanto, continuar reduzindo a taxa de juros, sendo que o próximo corte pode ocorrer em dezembro, acrescentou Patsalides.
"Embora o crescimento da economia da zona do euro esteja anêmico há algum tempo, a abordagem para os cortes de juros deve ser gradual e orientada pelos dados", disse Patsalides. "Se os próximos dados e as novas projeções de dezembro confirmarem nosso cenário base, haverá espaço para continuar reduzindo os juros em um ritmo e magnitude constantes."
O BCE reduziu os juros em um total de 75 pontos-base, para 3,25%, este ano, e os investidores precificam totalmente outro corte em 12 de dezembro, com a maioria também prevendo cortes em cada reunião de política monetária até junho do próximo ano.
No entanto, Patsalides também alertou que as pressões inflacionárias, principalmente decorrentes de possíveis choques de oferta, ainda representam um risco, assim como a natureza rígida do crescimento dos preços de serviços.
A inflação na zona do euro tem desacelerado rapidamente nos últimos meses e agora se espera que oscile em torno da meta de 2% nos próximos meses. Ela poderá então se estabelecer na meta na primeira metade de 2025, mais cedo do que o BCE previu pela última vez.
(Por Michele Kambas e Bart Meijer)