Por Luciano Costa
RIO DE JANEIRO (Reuters) - Centenas de executivos e especialistas do setor elétrico, grande parte deles já com cabelos grisalhos e décadas de experiência, agitavam-se durante a abertura de evento no Rio de Janeiro nesta semana em que o ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho (PSB-PE) fez o primeiro pronunciamento público à frente da pasta, na expectativa por sinais sobre os rumos da nova gestão.
Um rosto desconhecido para muitos ali, o deputado do PSB foi nomeado em 12 de maio para o cargo, um dos mais importantes da administração federal, mesmo sem ter ligação com os setores de energia e mineração e com apenas 32 anos de idade, o que deu origem a uma piada que circulou pelo salão enquanto sua chegada era aguardada.
"Se você quer saber quem é o ministro, é só procurar quem é o mais novo aqui", brincavam alguns engravatados que circulavam pela conferência, realizada na quarta e quinta-feira e considerada a principal a reunir anualmente os investidores em energia elétrica do Brasil.
Mas a juventude e a falta de intimidade do ministro com o mundo dos megawatts ficaram em segundo plano após um discurso inicial em que ele fez questão de marcar diferenças em relação à gestão anterior de sua pasta.
"Nosso compromisso, mesmo que não seja algo que possamos concretizar em 2 anos e 7 meses, é de fato começar a 'virar' o setor elétrico brasileiro...alguém tem que dar esse pontapé inicial", afirmou Coelho Filho, nomeado pelo presidente interino Michel Temer, depois do afastamento de Dilma Rousseff da Presidência por conta do processo de impeachment.
Ele também falou em preços realistas, menos intervenções e melhorias na atratividade dos investimentos.
As palavras agradaram em cheio um público ávido por mudanças em um setor elétrico que acumula problemas desde que um pacote de medidas para reduzir as contas de luz, lançado pelo governo Dilma Rousseff em 2012, deu início a uma crise que hoje leva a unânimes pedidos por revisão no marco regulatório do segmento.
O discurso foi ajudado ainda pelos efeitos da nomeação, na véspera, do influente ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Paulo Pedrosa para a secretaria-executiva do ministério.
Os ânimos melhoraram ainda mais conforme circulou pelos corredores a informação de que o diretor da consultoria PSR, Luiz Barroso, foi sondado para presidir a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão de planejamento do setor comandado desde 2004 pelo acadêmico Mauricio Tolmasquim, ligado ao PT.
Embora existam muitas dúvidas sobre a possibilidade de o prestigiado consultor aceitar os desafios de sair de um posto consagrado na iniciativa privada para um desafio visto como de enormes proporções, a mera possibilidade de sua nomeação animou os especialistas.
"Foi um bom começo... com a indicação do Pedrosa...está indo no caminho certo. O Barroso seria ótimo, ele é muito respeitado", disse à Reuters o presidente da comercializadora de energia Comerc, Cristopher Vlavianos, nos bastidores da conferência.
Pelas primeiras falas de Coelho Filho, há expectativa de uma boa reformulação nos quadros do ministério e das empresas ligadas à pasta.
"Há uma vontade de renovação...e as equipes são uma parte importante", disse o diretor-executivo da Absolar, que representa a indústria de energia solar, Rodrigo Sauaia. "Tive uma reunião técnica recente no ministério e está todo mundo em compasso de espera (pelas nomeações)."
A professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretora da Aneel Joísa Dutra também mostrou otimismo e disse que o fato de o ministro não ser ligado ao setor pode até ajudá-lo em eventuais mudanças.
"Ele mostrou uma disposição enorme... todos ficaram muito bem impressionados. Nos próximos dois anos, ele vai ter a oportunidade de renovar o setor".
Mas uma ex-autoridade do setor, que falou sob a condição de anonimato, mostrou preocupação com os problemas a serem solucionados pelo ministério.
"O tamanho do problema do setor não é tão diferente do problema na economia em geral... não sei se esse pessoal vai conseguir resolver, mesmo que reúnam esses nomes."
TERRA ARRASADA
Em 2012, o governo propôs em cerimônia liderada por Dilma uma redução de cerca de 20 por cento nas tarifas de energia por meio da renovação antecipada de contratos de concessão de usinas e linhas de transmissão. A receita das elétricas seria fortemente reduzida em troca da garantia da prorrogação dos contratos, gerando o desconto.
Mas a proposta foi totalmente aceita apenas pela Eletrobras (SA:ELET3), que teve como impacto uma redução de mais de 8 bilhões de reais em sua receita anual e desde então não teve mais resultados positivos.
Para convencer as empresas de transmissão a aderir à redução tarifária, o governo prometeu a elas indenizações extras estimadas em mais de 20 bilhões de reais que ainda não foram pagas e devem começar a ser quitadas em 2017, por meio de repasses às tarifas nos próximos oito anos.
Na sequência das medidas, ainda houve chuvas ruins em 2013, 2014 e 2015, o que exigiu o acionamento de termelétricas de custo elevado e fez o governo optar por injetar recursos do Tesouro e negociar empréstimos de 21,75 bilhões de reais às empresas de distribuição para manter as tarifas baixas.
Quando foi decidido que não seriam mais feitos malabarismos para segurar as contas de luz, no primeiro trimestre de 2015, após as eleições, houve reajustes de mais de 50 por cento nas tarifas, o que, em conjunto com a redução da atividade econômica já em vigor, derrubou fortemente o consumo de energia.
"Foi uma medida maligna. É um projeto que deu errado e quebrou a maior empresa do setor", disse o sócio da consultoria Thymos Energia, João Carlos Mello.
Fruto de tudo isso, os últimos leilões de linhas de transmissão têm sido cheios de lotes vazios, em que não aparecem investidores interessados; o último leilão de geração teve a menor contratação desde 2009, em meio à sobra de energia decorrente da crise; e as distribuidoras temem pesadas perdas financeiras devido à queda da demanda.
O cenário desolador do setor fez com que mudanças "significativas" no modelo regulatório fossem apoiadas por 73 por cento por cento dos 161 executivos ouvidos sobre essa questão em uma pesquisa realizada pelo site especializado Canal Energia e a consultoria Roland Berger.
"A (necessidade de) revisão do modelo estava na boca de todo mundo", afirmou Joísa, da FGV, ao final da conferência no Rio.
Mesmo autoridades de órgãos técnicos do setor nomeadas no governo Dilma reconheceram os problemas.
O diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, afirmou que a agência conversará com a nova equipe do ministério sobre a realização de um estudo para identificar aprimoramentos possíveis no marco regulatório, implementado em 2004, quando Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia do governo Lula.
O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata, que até o início do mês ocupava a secretaria-executiva do ministério, concordou. "É preciso colocar todas as partes na mesa e revisitar o modelo".
O discurso é repetido por executivos de elétricas.
"O modelo foi vitorioso, conseguiu contratar energia necessária para o atendimento da demanda, mas é um modelo que já está com seus 12 anos de existência, há necessidade de revisitar... tem que ter uma revisita de uma maneira holística, olhar todos os pontos", disse o presidente da Copel (SA:CPLE6), Luiz Fernando Vianna.