Cada um dos deputados destinou em sua dotação inicial, em média, R$ 15,3 milhões de investimentos via emendas parlamentares individuais neste ano. O valor supera tudo o que os prefeitos de 4.502 municípios conseguiram investir em 2023. Eles correspondem a 84% das cidades para as quais há dados orçamentários disponíveis.
No caso dos senadores, a verba média de investimento é de R$ 30,7 milhões. É mais do que o aplicado por 4.967 municípios (ou 93% do total) no ano passado. Os dados são de levantamento do Poder360 com dados do Siga Brasil e do Siconfi.
Em Estados como a Paraíba, o Rio Grande do Norte e o Piauí, mais de 95% dos prefeitos não conseguiram investir a soma de dinheiro que um deputado têm a disposição para os investimentos.
O poder real dos congressistas em relação aos prefeitos é ainda maior do que a estimativa acima, por duas razões:
- outras emendas – o cálculo só considera emendas parlamentares individuais, distribuídas igualmente entre os congressistas. Emendas de comissão e de bancada, mais opacas, destinam valor ainda maior para investimentos. Ou seja, na prática, o poder dos congressistas é maior;
- dado das cidades inflado – a comparação usou o valor total dos investimentos de cada um dos municípios em 2023. Ocorre que esse total já inclui dinheiro de emendas. Caso fosse possível separar o que foi investido sem recurso de emendas, a diferença seria ainda maior.
29% de cidades “dependentes“
São cada vez mais numerosos os municípios que recebem por emendas parlamentares um valor correspondente à metade ou mais de todo o investimento municipal.
Em 2023, foram 1.547 cidades nessa situação, ou 29% dos municípios para os quais há dados disponíveis. Em 2016, antes da escalada que resultaria no aumento do valor das emendas do Congresso, eram apenas 396 municípios (7% dos que entregaram dados orçamentários).
A dependência é maior nas cidades de até 10 mil habitantes. Em 34% delas, o dinheiro recebido de emendas em 2023 corresponde à metade ou mais do que a cidade efetivamente investiu no mesmo ano.
A maior parte do Orçamento dos municípios é composta por gastos obrigatórios. São salários de funcionários, manutenção de órgãos públicos e despesas para fazer a máquina funcionar. Em geral, não é isso que dá voto.
Ao apresentar na campanha o que fez durante a gestão, o prefeito tenta mostrar obras, creches, postos de saúde, pavimentação de estradas e ruas. Para aparecer bem nessas áreas, o chefe do Executivo local depende, cada vez mais, de suas relações no Congresso.
O dados acima revelam que 1 de cada 3 gestores municipais depende das emendas parlamentares de congressistas para a maioria desses gastos com impacto eleitoral. Ou seja, caso percam o favor político dos deputados e senadores, terão bem menos o que apresentar na hora da propaganda.
“Isso distorce o processo competitivo. O parlamentar ganha muita força no processo eleitoral do município, passa a fazer o prefeito que quiser e vai criando oligarquias”, afirma Marcos Mendes, pesquisador do Insper.
Mendes chama a atenção para como o modelo brasileiro é distante do restante dos outros países. “É um modelo distorcido e que não tem paralelo. O país que mais se aproxima nessa ideia de permitir que parlamentares encaminhem dinheiro para sua base são os Estados Unidos. Só que lá essas emendas têm um limite de 1% das despesas discricionárias. Aqui, no Brasil, as emendas estão consumindo 22% das despesas discricionárias”, diz o especialista.
Economistas têm alertado para uma série de problemas que essa distorção carrega:
- alocação de recursos – políticas intermunicipais e estruturantes, como melhoria da rede do SUS e grandes obras, passam a ficar desguarnecidas;
- favorecimento – não há critério de necessidade sendo analisado ao distribuir o dinheiro. Há cidades que recebem mais caixas d’água do que precisam e outras, com população pequena, que recebem mais do que metrópoles com centenas de milhares na pobreza;
- dificulta política fiscal – com uma proporção cada vez maior dos recursos discricionários nas mãos do Congresso, há dificuldade ainda maior de fazer cortes;
- corrupção – os mecanismos de envio de dinheiro aos municípios foram afrouxados em vários tipos de emendas, o que tem dificultado o controle social dos gastos e cria um ambiente mais sujeito à corrupção.
“É um fato que as emendas saíram do controle. Especialmente com as emendas Pix, que saem direto da conta do Tesouro para a do prefeito, sem edital de obra, sem compromisso com políticas públicas. Há brecha para corrupção e ineficiência. Estamos no meio de um problema fiscal grave; se dar ao luxo de ter R$ 52 bilhões em todas as emendas é uma loucura”, diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos. Para ele, as emendas devem entrar no esforço fiscal com o objetivo de cortar recursos.
Salto destaca a falta de controle para saber se a aplicação dos recursos está sendo eficiente. “Não é só ver se foi liberado ou não, tem que saber a qual política pública isso responde, se há necessidade do recursos, para qual localidade e em qual área será aplicado“, afirma.
Metodologia
O valor de referência considera emendas individuais de 2024 apenas na rubrica investimento. Os dados foram extraídos do sistema Siga Brasil no Senado. Foi feita uma média do dinheiro autorizado para deputados e senadores.
O valor médio foi comparado com os dados orçamentários do sistema Siconfi de todas as cidades. Não foram consideradas emendas de bancada e de comissão porque não é possível identificar se a indicação dos recursos é feita de maneira equânime. O valor médio poderia ficar muito acima do que um congressista mediano dispõe.
Todas as modalidades de emendas, no entanto, foram consideradas no cálculo da dependência dos municípios. Neste caso, considerou-se a soma de emendas de investimento pagas com o total dos recursos investidos pela cidade no ano.