Por Maria Carolina Marcello e Eduardo Simões
BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) - O Congresso eleito no último domingo, com presença ampla de parlamentares de direita e centro-direita, deve dar ao presidente Jair Bolsonaro (PL) maior conforto em relação ao Legislativo caso ele vença o segundo turno da eleição presidencial, ao mesmo que tende a frear uma agenda mais à esquerda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se for ele o vitorioso em 30 de outubro.
Analistas e políticos consultados pela Reuters coincidem na avaliação segundo a qual Lula terá de fazer concessões programáticas e abrir espaço à direita no governo para construir uma base de apoio no Parlamento. Bolsonaro, por sua vez, estaria "em casa" ao lidar com parlamentares alinhados ao seu campo ideológico, tanto na questão dos costumes, quanto em relação à pauta econômica.
Em um sinal do saldo favorável ao atual presidente na eleição para o Congresso, o atual líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), avaliou o resultado como "espetacular para Bolsonaro".
Na avaliação de Leonardo Barreto, diretor da Vector Relações Governamentais, a manutenção de um perfil mais à direita no Congresso envia um recado claro a Lula, caso ele confirme o favoritismo indicado nas pesquisas e conquiste um terceiro mandato.
"Esse Congresso está dizendo o seguinte: se o Lula vencer, ele não vai fazer um governo de esquerda", afirmou.
"Ele vai ter que dividir espaços entre os partidos e algumas agendas já ficam comprometidas. Por exemplo: taxação de grandes fortunas, comprometida; criar uma legislação ambiental mais rigorosa, comprometida; rever a legislação trabalhista, comprometida."
Se por um lado, um governo Lula traria poucos riscos de guinadas à esquerda principalmente no campo econômico, dada as limitações que deve enfrentar no Congresso, uma gestão Bolsonaro ficaria, a exemplo desse primeiro mandato, a reboque do Congresso, mesmo com uma base parlamentar alargada, avaliou Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria.
"A maioria legislativa não significa protagonismo do Executivo na condução da agenda econômica. O bom desempenho desses partidos se explica porque eles se distanciaram da agenda econômica que o Ministério da Economia imaginava para essa atual conjuntura", disse Cortez.
Na mesma linha, Barreto considera que durante uma gestão Bolsonaro deve vigorar um "modelo de coabitação", com um "governo mais aderindo ao Congresso do que o Congresso ao governo".
Mas para além das divisões entre esquerda e direita, há de se levar em conta uma força numerosa e consolidada no Congresso --o centrão-- que historicamente tende a compor a base dos mais variados governos, desde que tenha suas demandas atendidas.
Inflado pelos recursos das emendas de relator, o chamado orçamento secreto, parlamentares desse campo político se impõem como força impossível de ser ignorada para se construir um mínimo de governabilidade.
"O PL não é o partido do presidente (Bolsonaro). O presidente é que é do PL", destacou Barreto.
"Não necessariamente você vai ter o PL na oposição ao governo (caso Lula vença). Aliás, nenhum dos partidos de centro vai se alinhar automaticamente e se declarar como partido de oposição. O mais provável é que se declarem independentes e criem um programa de aproximação do governo do ex-presidente Lula", explicou o diretor da Vector.
"Esse cronograma de adesão no momento certo vai se converter em espaços dentro do governo, mas para isso o Lula vai ter que reduzir o espaço do PT dentro do governo e várias agendas de esquerda vão ficar comprometidas", acrescentou, alertando para o risco de uma movimentação nessa linha provocar cisão no PL entre os tradicionais deputados de centro-direita e os bolsonaristas mais intrinsicamente ligados ao atual presidente e, portanto, refratários a compor com um eventual governo petista.
Uma fonte consultada pela Reuters, sob a condição de anonimato, afirmou que o centrão irá trabalhar pela reeleição de Bolsonaro neste segundo turno. O campo político se fortaleceu a partir do enfraquecimento do atual presidente e consiste em importante sustentação do governo.
O PL conquistou a maior bancada na Câmara, com 99 integrantes, mas boa parte dela composta por bolsonaristas raiz que migraram para a sigla quando ela acolheu o presidente.
E ainda que o Congresso tenha confirmado seu perfil de direita nessas eleições, a bancada do PT conseguiu crescer e coloca-se como a segunda maior, com 68 deputados. PCdoB e PV, que compõem uma federação partidária com o PT, elegeram 6 deputados cada, o que leva o total da federação a 80.
Mas as duas bancadas devem ser ultrapassadas uma que vez que for concretizada a fusão entre PP (47 deputados) e União Brasil (59), confirmada pelo atual presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). A junção tem como alvo a eleição do comando das Casas do Congresso no início de 2023, já que por tradição, salvo algumas exceções, o cargo é ocupado pela maior bancada.
Segundo Barreto, uma outra variável que pode mudar a correlação de forças na Casa diz respeito ao orçamento secreto, em análise no Supremo Tribunal Federal (STF), a depender do que decidir a corte. Se o Supremo, de alguma forma, reduzir o controle que o Parlamento exerce sobre o Orçamento, tanto Bolsonaro, quanto Lula seriam beneficiados.
GOVERNABILIDADE
Levantamento da Queiroz Assessoria aponta que um eventual governo Lula teria "apoio consistente" de 138 deputados, enquanto 159 ofereceriam um "apoio condicionado", números que, somados, chegam a 297, insuficiente, por exemplo, para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que exige um mínimo de 308 votos ba Casa. Ainda na Câmara, outros 216 parlamentares integrariam as fileiras da oposição.
No Senado, o petista contaria com o apoio consistente de 14 senadores, e o condicionado de 33 deles, apoio que, somado, também fica inferior ao mínimo necessário à aprovação de PEC na Casa de 49 votos. Ele teria oposição de 34 senadores.
Bolsonaro, por sua vez, atrairia 199 deputados com apoio consistente e 176 condicionado, o que poderia dar uma maioria relativamente confortável de 375 votos. Ele enfrentaria 138 oposicionistas.
No Senado, 24 nomes ofereceriam apoio consistente ao atual presidente e outros 43 com alguma condição, somando 67 senadores, uma margem para lá de confortável na Casa se concretizada, onde 14 ofereceriam oposição.
O Senado, inclusive, pode ser utilizado por Bolsonaro para suas investidas contra outros Poderes e para colocar em xeque o sistema de freios e contrapesos, uma vez que cabe à Casa chancelar a indicação de autoridades, como ministros do STF, ou analisar impeachments de ministros da corte, avaliam os analistas.
"Caso Lula venha a ser eleito no próximo dia 30 de outubro, ele terá um base de apoio reduzida e uma oposição volumosa, o que o obrigará a negociar a todo momento com o centro e com partidos que hoje estão com Bolsonaro", afirma a Queiroz em seu levantamento.
"Caso o atual presidente seja reeleito, terá uma base de apoio grande e uma oposição menor, o que o obrigaria e negociar menos com o centro. Todavia, seu estilo mais confrontador, observado ao longo deste mandato, poderá ser um obstáculo para conquistar maiorias", acrescenta a consultoria.
(Reportagem de Maria Carolina Marcello, em Braília, e Eduardo Simões, em São Paulo)