Por Maria Carolina Marcello e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - A depender de composição, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 pode arranhar a imagem já desgastada do governo, mas o presidente Jair Bolsonaro pode, por outro lado, se beneficiar do clima de tensão entre os Poderes.
Duas fontes consultadas pela Reuters, uma contrária e outra favorável à instalação da CPI, apontam que o recente acirramento na relação entre Executivo, Judiciário e Legislativo configura o cenário perfeito para o discurso de enfrentamento de Bolsonaro. De quebra, serve ainda de justificativa, deixando aberta a possibilidade de atribuir a culpa de eventuais insucessos do governo aos outros Poderes.
"Vai voltar aquele momento de tensão que talvez no fundo, no fundo, é tudo o que Bolsonaro quer. Porque assim que ele foi eleito, pressionando o Judiciário, questionando as práticas do Legislativo. Talvez seja tudo o que ele precisa", disse uma das fontes.
Amostra de como o presidente pode adicionar lenha à fogueira foram suas declarações mais cedo nesta sexta-feira, com ataque direto ao ministro Luís Roberto Barroso, que na véspera determinou a abertura da CPI no Senado para investigar a gestão da pandemia de Covid-19 no Brasil. Bolsonaro disse que falta "coragem moral" ao ministro e que ele fez "politicalha" ao determinar a abertura da CPI.
Há, por outro lado, o grande risco de desgaste do governo com a abertura da CPI. Corre, no meio político, o entendimento que sabe-se como começa uma comissão parlamentar de inquérito, mas não como ela termina. Foi em depoimento a uma CPI, a da Petrobras (SA:PETR4), que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), negou manter contas no exterior. Posteriormente, diante de provas que a declaração era mentira, Cunha teve seu mandato cassado.
Anos antes, a CPI dos Correios chegou a colocar em risco o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda em seu primeiro mandato, durante as investigações do escândalo do mensalão.
Numa tentativa de criar um discurso para se contrapor ao avanço da CPI, Bolsonaro e aliados passaram até a defender que se abra também procedimentos de impeachment de ministros do Supremo.
O vice-líder do governo no Senado Carlos Viana (PSD-MG) já iniciou, por exemplo, uma mobilização de coleta de assinaturas "uma investigação constitucional sobre a decisão monocrática do ministro Barroso".
Pelo Twitter, Viana disse ter informado o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), da movimentação e defendeu que "o Senado tem o dever de dar resposta firme e constitucional para o reequilíbrio entre os Poderes da República".
"Na conversa com @rpsenador (perfil de Rodrigo Pacheco no Twitter) qualquer decisão ou denúncia não será feita de forma individual. O objetivo é o reequilíbrio institucional entre Poderes. O caminho é propor a investigação constitucional por meio de Comissão Parlamentar de Inquérito após 27 assinaturas de senadores", publicou Viana.
O líder do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR), admite que atualmente a Casa tem uma correlação de forças que favorece o governo na composição da CPI, com maioria esmagadora de aliados de Bolsonaro. Ainda assim, ele defende que a comissão seja instalada e trabalhe.
"Eu não tenho nenhuma falsa expectativa em relação à CPI, mas não posso partilhar da posição daqueles que querem impedir ela de funcionar", afirmou.
Para o parlamentar, não se pode deixar levar pelo discurso do presidente que a comissão de inquérito seria uma antecipação da disputa de 2022.
"Isso é uma condenação antecipada da CPI", avaliou.
"O presidente sempre busca se vitimizar e transferir questões para a política", disse.
Avaro Dias afirmou ainda que o escopo da CPI poderá ser ampliado para alcançar suspeitas que envolvem Estados e municípios e citou que há um pedido do senador Eduardo Girão (Podemos-CE) nesse sentido.