O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Roberto Barroso, disse nesta 6ª feira (19.jan.2024) que há “uma certa lenda de que haveria insegurança jurídica no Brasil”. O magistrado disse não ver, “em sentido amplo”, um “problema relevante” no país no que diz respeito a temas como “estabilidade da legislação” e de “não retroatividade” das leis.
“O Supremo e o Judiciário procuram assegurar essa dimensão de segurança jurídica”, afirmou em evento do Lide Brazil em Zurique (Suíça). Mas, apesar disso, há 3 áreas em que é preciso “reconhecer e enfrentar” que existe um certo nível de insegurança jurídica no país: trabalhista, tributária e saúde.
Barroso foi questionado se temeu pelas instituições democráticas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Ele respondeu citando o trecho da música “Tempo Perdido”, do Legião Urbana, que diz: “Não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas”.
O magistrado declarou: “Eu não temi propriamente, mas acendi todas as luzes que eu podia acender”. E continuou: “Acho que prevaleceu a institucionalidade e nós superamos os ciclos do atraso. E democracia não é um espaço do consenso, tem muita gente divergindo de muita coisa, como é legítimo. Mas, há um ano que eu não sou insultado”.
Barroso citou que, apesar de Bolsonaro não ter sido reeleito, ele teve uma votação expressiva, o que demonstra que “muita gente” se identifica com o discurso do ex-presidente. Isso é comprovado também, conforme o magistrado, pelo fato de muitos congressistas alinhados com o ex-presidente terem sido eleitos.
“Eu tenho me esforçado para mostrar para esse segmento da sociedade que o Supremo não é um problema, mas parte da solução”, disse, acrescentando que quer diminuir a animosidade para com o STF.
BRASIL EM 2023
Segundo Barroso, o ano de 2023 foi bom para o Brasil por conta de pontos como:
- aprovação arcabouço fiscal e a “renovação, ainda que verbal, pelo menos por enquanto, dos compromissos com responsabilidade fiscal”;
- aprovação da reforma tributária;
- crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) acima do esperado;
- alcançar a mais baixa taxa de desemprego desde 2014;
- retomada do compromisso com a proteção ambiental. Segundo ele, “parte do desprestígio global que o Brasil desfrutou nos últimos tempos foi em razão da política ambiental” do governo anterior;
- controle da inflação e a tendência de queda dos juros;
- diminuição da temperatura política;
- aniversário de 35 anos da Constituição;
- ter tranquilidade institucional.
“Tivemos um ano positivo do ponto de vista econômico, tivemos transformações importantes do ponto de vista jurídico (…) e acho que estamos vivendo um momento de maior tranquilidade institucional”, afirmou.
Barroso repetiu as declarações feitas na 4ª feira (17.jan) no Fórum Econômico de Davos sobre os problemas crônicos que o Brasil ainda enfrenta. Entre eles, a segurança pública e a violência.
“Quem anda pela América Latina e olha situações como a que está acontecendo no Equador, como o que se vive no México, sabe o que pode ser o Brasil amanhã se nós não enfrentarmos isso [a questão da segurança pública] com muita seriedade”, afirmou.
“É preciso colocar a questão da segurança pública na agenda do país, senão nós vamos nos perder como alguns outros países já se desencontraram nessa matéria”, acrescentou.
Barroso voltou a citar que o Brasil pode perder a soberania da Amazônia para o crime organizado. “Lá, temos mineração ilegal, extração ilegal de madeira, temos grilagem de terra, temos desmatamento e passou a ser rota de tráfico”, afirmou.
MANDATOS PARA O SUPREMO
Barroso falou sobre a possibilidade de os ministros do STF terem mandatos. Hoje, eles podem permanecer na Corte até completarem 75 anos. Segundo o magistrado, o Congresso é o lugar ideal para se debater a questão.
“Eu defendi o mandato. Na Constituição de 1988, eu achei que era uma boa ideia”, afirmou Barroso, citando ter sido, na época, favorável a um mandato de 12 anos. “Minha posição é, pior do que não ter o modelo ideal, é ter um modelo que não se consolida nunca. E, portanto, eu acho que não se deve ficar revirando instituições e mexendo nas instituições a menos que haja um motivo muito relevante”, continuou.
“Eu não acho que esta seja uma questão que mereça a atenção prioritária do Congresso. Mas eu estou em outro Poder. Se o Congresso achar que deve debater, a vida é feita de debates”, completou.
DROGAS E ABORTO
O magistrado citou que há 2 debates “muito delicados” no Supremo: a questão das drogas e da interrupção da gravidez.
“É um desastre a política de drogas no Brasil. Nós estamos perdendo a guerra”, afirmou. “Nós temos de ser capazes de, sem preconceito, sem posições pré-assumidas, discutirmos uma política de drogas”, acrescentou.
Barroso disse que as ações feitas atualmente no Brasil estão resultando no aumento do consumo e do poder do tráfico. Ele declarou que essa discussão “não é uma competência do Supremo”, mas “as pessoas que são presas chegam” até a Corte.
“E a política de drogas do Brasil prende menino pobre de periferia com pequenas quantidades de drogas, o que não serve para nada”, declarou, acrescentando que o Supremo não está discutindo a descriminalização ou a despenalização, “porque isso já foi feito pelo Congresso há muito tempo”.
O STF discute, disse Barroso, “a distinção entre o usuário e traficante”.
Sobre a interrupção da gravidez, Barroso disse não saber quando pautará o tema no STF. O magistrado declarou não ter pautado o tema para não “aumentar a tensão” e disse que a sociedade brasileira “não compreendeu” o debate que se está propondo.
“Ninguém tem como política pública o aborto, o aborto é uma coisa ruim e deve ser evitado”, disse, acrescentando que o Estado deve fornecer métodos anticoncepcionais, dar educação sexual e amparar a mulher que escolher continuar com a gravidez. “A única coisa que me parece ruim é criminalizar [o aborto], porque, inclusive, impede a discussão à luz do dia”, afirmou.
Ele citou pesquisa que, segundo ele, “fez a pergunta certa”. Ao invés de questionar os entrevistados se era contra ou a favor do aborto, a Quaest pediu que os participantes respondessem se a mulher que interrompe a gravidez deveria ser presa. “Aí deu 80% de resposta negativa”, afirmou.
“Todo mundo é contra [o aborto]. Eu também sou contra”, disse. “Prender a mulher é uma má política pública e esse é o debate que a gente não conseguiu fazer ainda”, completou.
O Lide foi fundado em 2003 pelo ex-governador de São Paulo João Doria. Hoje, é presidido pelo seu filho João Doria Neto. O chairman é o ex-ministro Luiz Fernando Furlan. Ele foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no 1º e no 2º governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).