Pessoas com obesidade mórbida em dieta preparatória para a cirurgia bariátrica e também aquelas que já passaram pelo procedimento tendem a apresentar piora no estado de saúde bucal, com maior ocorrência de cáries, gengivite e doença periodontal.
Essa é a conclusão de um estudo realizado por cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cujos resultados foram divulgados em artigos no Journal of Oral Rehabilitation e na revista Clinical Oral Investigations. Na avaliação dos autores, os achados reforçam a importância de um profissional de odontologia participar do acompanhamento desses pacientes.
Durante 6 meses, o grupo de pesquisadores financiado pela Fapesp (projetos 17/26400-6 e 16/10940-9) acompanhou 100 pacientes (divididos em 2 grupos: dieta e gastroplastia) da Clínica Bariátrica de Piracicaba, centro de referência no interior paulista, responsável pela realização de 50 cirurgias mensais, sendo a maior parte delas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Por meio de questionários, exame bucal e amostras de saliva e de raspados de bochecha, foram avaliadas as mudanças dietéticas, a redução de peso, os marcadores inflamatórios, a microbiota bucal (por sequenciamento) e a saúde dentária e periodontal. As análises foram feitas em 3 momentos: antes, 3 e 6 meses depois da cirurgia ou do início da dieta.
“Mesmo orientando os pacientes para que realizassem os cuidados básicos de higiene [uso de fio dental e 3 escovações por dia], verificamos uma piora significativa na saúde bucal, com aumento no número de dentes cariados e piora do índice periodontal em ambos os grupos, mas especialmente naquele submetido à cirurgia, em um curto período de tempo”, diz Paula Midori Castelo Ferrua, professora do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Unifesp e coordenadora do trabalho.
A análise de marcadores da saliva apontou uma queda na capacidade de tamponamento dos ácidos (ação que impede a desmineralização do esmalte dentário). Já o sequenciamento genômico bacteriano indicou que a microbiota também sofre alterações de diversidade – especialmente no grupo cirurgia –, aumentando a proporção de microrganismos que causam periodontite.
Os pesquisadores acreditam que as profundas mudanças dietéticas sejam a causa da piora da saúde bucal, por exemplo, a maior frequência diária de refeições sem um aumento associado do número de escovações, além da consistência alimentar, que passa a ser líquida ou pastosa nos primeiros meses pós-cirurgia.
“Nesse caso, os alimentos têm menos fibras e não são mastigados, o que faz com que acabem aderindo mais ao esmalte dentário, acentuando a formação do biofilme em sua superfície”, afirma Castelo. “E sem a mastigação, há menor secreção de saliva e menor efeito tamponante.”
Reforços para o futuro
De 2017 a 2022, foram realizadas no Brasil mais de 300 mil cirurgias bariátricas pelos planos de saúde e pelo SUS. As equipes responsáveis pelos cuidados desses pacientes são multidisciplinares e incluem médicos, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos.
Porém, apesar da grande mudança dietética pré e pós-cirurgia, capaz de comprometer a saúde dos dentes e gengivas, odontologistas não fazem parte dessa lista.
Segundo os autores, os resultados deste trabalho mostram que o acompanhamento da saúde bucal é fundamental antes, durante e depois da cirurgia bariátrica.
Também indicam o caminho a ser seguido pelos pesquisadores da área: determinar a melhor intervenção preventiva ou terapêutica de doenças bucais durante as fases de dieta e pós-cirúrgica, testando métodos já consagrados na odontologia, como aplicação de flúor, reforço na escovação, uso de fio dental e de enxaguante bucal, e avaliando sua viabilidade financeira e facilidade de implementação pelo sistema público de saúde.
“No futuro, também é importante que sejam consolidadas diretrizes específicas de saúde bucal para o público que busca tratamento para a obesidade mórbida”, afirma Castelo.
Com informações da Agência Fapesp