SÃO PAULO (Reuters) - O Brasil vai precisar resolver rapidamente problemas históricos que atravancam o desenvolvimento da indústria se quiser usufruir das oportunidades, e não apenas dos riscos, do acordo de livre comércio assinado semana passada pelo Mercosul com a União Europeia, afirmou nesta quinta-feira o presidente da associação de montadoras de veículos, Anfavea.
Além de passar pela reforma da previdência, o país terá que aprovar uma reforma tributária que simplifique e reduza impostos sobre a produção industrial se não quiser "ficar fora do jogo" no mercado automotivo global, disse o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, a jornalistas.
"O acordo é positivo para o país. O acordo com 27 países do bloco traz riscos, mas também traz oportunidades. Para jogarmos o jogo global temos que ter eficiência na economia como um todo. Isso é imprescindível para capturarmos as oportunidades", disse o executivo.
Uma vez ratificado, o acordo prevê que o setor automotivo brasileiro terá 15 anos para zerar tarifas de importação hoje em 35% no caso de veículos. A queda se dará gradualmente e durante os sete primeiros anos o setor conviverá com regime de cotas em que até 50 mil veículos por ano poderão ser exportados pela UE para o Mercosul sem tarifas. A partir do oitavo ano, o regime de cotas acaba e o imposto de importação no Brasil cairá a 28,5%, recuando até zero a partir do 16º ano de vigência do pacto.
Do outro lado, as exportações brasileiras de veículos para a UE, segundo a Anfavea, sofrem atualmente taxação de 10 a 22%, enquanto autopeças pagam entre 2,5% e 4,5%. Após o acordo estas tarifas serão zeradas.
Segundo a Anfavea, ao final de 2018 a indústria de veículos do Brasil projetava investimentos de 39,8 bilhões de reais até 2024, boa parte disso a ser aplicada na adequação do setor ao programa automotivo Rota 2030, aprovado ano passado, e que prevê maiores exigências de segurança dos veículos e redução de emissões de poluentes.
Moraes afirmou que ainda é cedo para se estimar como a cifra de investimentos poderá ser alterada a partir do acordo. "Agora estamos na fase de digerir o acordo. Mas na sequência, cada empresa (montadora) terá um plano A, com o acordo funcionando, e um plano B, se o acordo não vingar. Antes não tínhamos essa hipótese", disse Moraes. "Estamos otimistas."
A indústria automotiva do Brasil, que abriga fábricas de montadoras europeias, norte-americanas e asiáticas, concentra-se no desenvolvimento da tecnologia de motores a combustão e vários países europeus estão focados em reduzir o uso dessa tecnologia.
Questionado se vê entre as oportunidades para o setor automotivo a exportação de veículos a etanol para a UE, Moraes comentou que a indústria vai ter "que buscar mercados", mas não afirmou diretamente se a possibilidade poderá se concretizar.
Atualmente, o maior volume de exportações do Brasil para a UE no setor ocorre no segmento de autopeças, incluindo itens como amortecedores, blocos de motores e virabrequins. Esse fluxo movimentou em junho 86,45 milhões de dólares, segundo a Anfavea. O país também exporta veículos para a Europa, como alguns tipos de caminhões. Em 2018, os principais destinos na região para veículos brasileiros foram Bélgica, Alemanha e França.
Enquanto isso, o principal mercado comprador de veículos brasileiros há vários anos é a Argentina, sócia no Mercosul e que vive uma crise econômica. Com isso, as vendas externas totais da indústria automotiva brasileira caíram em 41,5% no primeiro semestre ante mesmo período de 2018.
Moraes negou que o acordo vá agravar o quadro de ociosidade de quase 50% na capacidade produtiva de veículos do país, mas disse que a indústria tem que mudar sua forma de pensar porque "não vamos precisar fazer tudo, vamos nos especializar no que fazemos melhor". Ele admitiu que aumento do peso das importações no total de vendas de veículos no país "é um risco, sim".
Atualmente, as vendas de veículos importados correspondem a 11% do total, segundo dados do acumulado do primeiro semestre.
Perguntado sobre as chances de o acordo ser ratificado, Moraes disse que a Anfavea se reuniu na semana passada com representantes do governo brasileiro e ouviu que os esforços para ratificação brasileira do acordo com a UE estão acelerados.
"O governo brasileiro está a 200 por hora sobre isso. Existe até a possibilidade de criação de um mecanismo para que o Brasil não tenha que esperar pelos outros países do Mercosul" para a entrada em vigor do acordo no país, disse o ele.
Para 2019, a Anfavea manteve projeção de alta de 11,4% nas vendas de veículos novos no Brasil, a 2,86 milhões de unidades, e de crescimento de 9% na produção, a 3,14 milhões, apesar da piora na projeção para exportações, de queda de 6,2% para 28,5%.
Moraes afirmou que a entidade aposta em um desempenho mais forte das vendas no Brasil no segundo semestre, com base na expectativa de que uma reforma da previdência "robusta" seja aprovada no Congresso, o que permitirá a redução de taxas de juros e melhora no nível de confiança sobre a economia.
(Por Alberto Alerigi Jr.)