Duas entidades que representam empresas do setor brasileiro de defesa e aeroespacial, incluindo a Embraer (BVMF:EMBR3), entraram na Justiça contra a Boeing (BVMF:BOEI34)(NYSE:BA) pedindo para que contratações de engenheiros brasileiros pela companhia americana sejam interrompidas. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) e a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (Aiab), profissionais "altamente qualificados" estão sendo "cooptados" pela Boeing, o que coloca "em risco a sobrevivência dessas empresas e, sobretudo, ameaça a soberania nacional".
O presidente da Aiab, Julio Shidara, calcula que a Boeing tenha contratado, em pouco mais de um ano, 200 engenheiros brasileiros. Esses profissionais atuavam sobretudo no alto escalão das empresas aeroespaciais do País, como Embraer, Akaer, Avibras, AEL Sistemas e Safran (EPA:SAF), entre outras. Na Boeing, eles trabalham em uma unidade de desenvolvimento instalada no Brasil.
Na ação civil pública, que está tramitando na 3ª Vara Federal de São José dos Campos, o advogado Leonardo Bissoli, do escritório Tojal Renault (EPA:RENA) - que representa as entidades -, pede que seja imposto um limite de 0,6% no total de engenheiros que a Boeing pode retirar de uma empresa brasileira, sob pena de multa por cada profissional que extrapole esse limite. Segundo Bissoli, esse número representa 10% da rotatividade de 6% que o setor da aeronáutica registra nos Estados Unidos e foi estabelecido considerando que apenas uma companhia está fazendo as contratações.
Os advogados ainda solicitam que a Boeing seja condenada a pagar o total investido pela Embraer e pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) em um programa de especialização de engenheiros na área aeroespacial. Os recursos seriam destinados a um fundo gerido por universidades que formam profissionais do setor. Ainda de acordo com o advogado, em um ano, esse programa de especialização demandou R$ 5 milhões.
Bissoli alega que as contratações feitas pela Boeing ameaçam fabricantes de satélites, de equipamentos de uso militar e desenvolvedoras de sistemas. Algumas perderam, em menos de um ano, 10% de seu time de engenheiros, sendo que esse número chega a 70% em departamentos específicos das companhias, diz ele.
"Esse tipo de ação pode parecer estranho se você imagina um setor normal da economia, mas o de defesa é diferente. Ele só tem um cliente, o Estado brasileiro, que estabelece proteção especial a empresas que considera estratégicas. Essas companhias exercem mais que uma atividade econômica, elas são o braço tecnológico para a defesa da soberania do Estado", acrescenta o advogado.
Ainda de acordo com a defesa das entidades, os profissionais que a Boeing já contratou participavam de projetos nas áreas de defesa e segurança e tinham acesso a informações "qualificadas" e "dados classificados" de projetos estratégicos para o país.
Shidara, presidente da Aiab, destaca que o caso da Embraer é ainda mais sensível, dado que a Boeing já teve acesso a informações confidenciais durante 2018 e 2020, período em que a empresa americana negociava a compra da divisão comercial da companhia brasileira.
Uma das intenções da Boeing, quando ela queria comprar a Embraer, era, inclusive, rejuvenescer sua equipe de engenheiros com profissionais brasileiros. O problema da falta de engenheiros na Boeing é conhecido no mercado e se acentuou após a pandemia, quando parte dos profissionais do setor se aposentaram e parte, após receber auxílio financeiro e se acostumar ao trabalho remoto, não quis voltar aos padrões pré-pandemia. Nos EUA, a empresa vem perdendo engenheiros para o setor de tecnologia.
Procurada, a Embraer afirmou que tem "conhecimento e apoia a ação civil pública movida pelas entidades contra a Boeing". "Seguiremos acompanhando os desdobramentos cientes de que este é um assunto de interesse nacional", destacou em nota. A Boeing não quis comentar o assuntou.