Investing.com – Apesar da repercussão nos últimos anos em torno do ESG, que representa a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa (Environmental, Social and Governance), a atração de novos investidores para a temática no Brasil ainda enfrenta obstáculos. Na visão de Fabio Alperowitch, fundador da gestora de fundos de ações Fama Investimentos, criada há 30 anos, o ESG no país, de fato, nunca existiu.
Fabio Alperowitch, conhecido pela atuação em investimentos sustentáveis, avalia que após a “febre” sobre o assunto, ficou nítido que o mercado financeiro não se interessa por essa pauta, em sua visão.
A Fama Investimentos leva em consideração os aspectos ESG na sua política de investimentos de longo prazo, por meio de um fundo ESG, um fundo focado em mudanças climáticas e um fundo de crédito focado em sociobioeconomia na Amazônia.
Confira a entrevista na íntegra.
Investing.com – Quais principais dificuldades para os fundos ESG hoje?
Fabio Alperowitch – Na verdade, o ESG no Brasil nunca existiu. Até 2019, eu tinha uma dificuldade muito grande de falar sobre direitos humanos ou meio ambiente para investidores brasileiros, era quase jogado pela janela. Eram assuntos que não interessavam. E então em 2020, 2021, houve aquela febre ESG, todo mundo falando todos os dias, em podcasts, webinars, newsletters, todos os dias aparecia coisa nova e produtos novos, etc, e parecia que as coisas de fato estavam acontecendo.
Em todos os países do mundo em que o ESG de fato aconteceu, tudo se deu pela demanda, os detentores de ativos, então principalmente grandes famílias e fundos de pensão, e esses grandes fundos de pensão e famílias que estão cada vez mais preocupados com o futuro, acabaram incentivando ou pressionando os asset managers, que são gestores de ativo, para poderem se educar no tema, cobrarem comprometimento e acabou desenvolvendo uma indústria que tinha demanda. Esses asset managers, por sua vez, iam cobrando as empresas.
No Brasil, foi o contrário. Os brasileiros no mercado financeiro não se interessam por essa pauta, ideologizaram essa temática. E quando veio a onda ESG em 2020, 2021, isso foi muito mais um oportunismo.
Inv.com – Por qual motivo? O que aconteceu com o interesse?
Alperowitch – As pessoas achavam que ia ter muita demanda para isso e começaram a falar sobre o assunto e a lançar produtos, só que não era um interesse legítimo, tanto que quando não veio a demanda, grande parte dos produtos saíram das prateleiras. As pessoas deixaram de falar sobre assunto nas suas newsletters, a pauta deu uma esfriada porque, de fato, ela nunca aconteceu.
Eu acho que a gente está em uma situação é bem ruim, porque antes de 2020 a gente poderia dizer que o mercado não tinha sido testado em relação aos assuntos ESG, embora eles deveriam ter sido um estímulo para as pessoas enquanto cidadãos, no mínimo, de ter esse tipo de responsabilidade.
Mas depois que o assunto talvez tenha sido o que mais teve mídia espontânea na história do mercado financeiro e isso não causou nenhum tipo de sensibilização nem nos asset managers e nem nos asset owners no Brasil, então, de fato, as coisas não estão acontecendo.
Inv.com – Como avalia as métricas utilizadas hoje por fundos, estão em conformidade com parâmetros internacionais?
Alperowitch – As empresas assumiram um pouco desse discurso primeiro porque é um discurso bacana, segundo porque tem sim algum tipo de pressão internacional. Terceiro, tem algum tipo de pressão de mídia e dos consumidores. Algumas empresas estão fazendo algumas coisas. A maioria das empresas não. É muito mais greenwashing do que de fato fazendo algo.
Então eu acho que a gente está numa situação, para a pauta, bastante preocupante, onde a gente vê os macro indicadores avançando pouco ou regredindo. Então, se todo mundo fala em ESG, então quem é que está fazendo mal para o planeta?
É possível verificar que o gás de vez de estufa, emitido no Brasil, está no seu nos seus recordes. Diversidade e inclusão não melhoram, assim como índices sociais, como desigualdade, não melhoram índices de racismo, não melhoram índices de fome. Então eu não consigo ver essa pauta ainda acontecer no Brasil.
Inv.com – Desde a criação da Fama, quais as principais mudanças no mercado relacionado a investimentos sustentáveis? Quais as novas fases da gestora?
Alperowitch – Essa ausência de compromisso do mercado com a pauta tem, paradoxalmente, um efeito colateral positivo, que aqueles que se importam vão se importar mais e vão ser mais vocais. Então, acho que isso é um pouco o que acontece com a gente. Então, a Fama sempre teve essa preocupação e essa preocupação era uma torcida de que essa fosse uma preocupação coletiva, mas infelizmente não é. A gente vê praticamente nada acontecendo, então a gente entende que tem que “fazer pelos outros”. Então a gente passou a ser mais vocal, lançar mais produtos nessa temática, assumir mais compromisso e fazer mais debates qualificados.