Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - A Light (SA:LIGT3), distribuidora de energia que atende a região metropolitana do Rio de Janeiro, tem pedido ao órgão regulador do setor que reveja suas tarifas para considerar um cenário desafiador gerado pela forte crise da economia brasileira e do Estado fluminense e por furtos em áreas dominadas por traficantes e milícias.
A elétrica, controlada pela mineira Cemig (SA:CMIG4), disse à Reuters que seus níveis de perdas não técnicas --causadas por furtos, os chamados "gatos"-- são alvo de negociação com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Cerca de 23 por cento da energia distribuída pela Light não é faturada porque é perdida com os furtos na rede. As perdas representam 42 por cento do mercado de baixa tensão da companhia.
A Aneel já disse que poderá reavaliar as tarifas se a Light assinar um aditivo contratual que prevê exigências mais duras em relação à qualidade dos serviços prestados aos consumidores.
No cálculo das tarifas, a agência autoriza que certo nível de perdas seja custeado pelos consumidores de acordo com as características da área atendida por cada distribuidora, mas o que ultrapassa essa meta resulta em prejuízos para as elétricas.
"Esse tema está sendo discutido no âmbito do processo negocial de assinatura do aditivo do contrato de concessão... a Aneel utiliza um modelo que leva em consideração as condições socioeconômicas de cada concessão", explicou a Light em nota, após questionamentos da Reuters.
Recente documento da Light descreve detalhes do que chamou de práticas de "eletrotraficantes", com foto de criminosos anunciando serviços de ligação ilegal de eletricidade.
Na última semana, um diretor da Light fez apresentação a especialistas em que defendeu que a Aneel deveria dar "um tratamento mais realista" à violencia no Rio e listou diversas dificuldades enfrentadas em suas operações, como técnicos que se viram repentinamento no meio de tiroteios e o domínio de traficantes e milícias em áreas inteiras.
"A falência do Estado e a falta de investimento em segurança pública levou ao recrudescimento da violência em todo Rio de Janeiro, principalmente nas comunidades onde a empresa atuava juntamente com o programa de Unidades Pacificadoras da Polícia (UPP)", aponta o material, assinado pelo superintendente de Recuperação de Energia da Light, Rainilton Andrade Gomes.
Em meio a uma grave crise fiscal, o Rio de Janeiro decretou estado de calamidade pública em junho. Em novembro, o governo do Estado anunciou um pacote de medidas que prevê aumento de impostos e o fim de programas sociais.
PODER PARALELO
Na apresentação, feita em encontro de especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Light também apresentou imagens curiosas, como anúncios publicados em redes sociais por especialistas em fazer "gatos" que cobram 150 reais para livrar o cliente "das contas abusivas de luz".
A elétrica também destacou o grande número de aparelhos de ar condicionado em favelas abastecidas por ligações ilegais de eletricidade.
A empresa estima que os clientes que não pagam pela luz consomem 344 por cento a mais do que aqueles que são faturados.
Parte do problema está associada à disputa entre milícias e traficantes pelo comando em diversas áreas do Rio de Janeiro.
Na apresentação, a Light aponta partes inteiras da cidade como sendo de domínio das facções Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro e Amigos dos Amigos. Outras áreas são ocupadas por milícias.
As consequências dessa guerra para a empresa são a piora no acesso às redes para operação e manutenção, o crescimento das perdas e inadimplência e a ameaça à integridade de seus funcionários e instalações.
"O agente... ao entrar na comunidade já percebeu que o clima estava tenso... começou a troca de tiro entre policial e traficantes. Ele na mesma hora se protegeu e esperou a melhor hora para sair. Retornando com sua tarefa", aponta uma mensagem interna da Light sobre a leitura de faturas na Cidade de Deus em 20 de setembro.
Em outra mensagem, um agente informa que não conseguiu entregar faturas em um bairro porque "os traficantes da área não estão permitindo nenhuma empresa entrar na localidade".
A Light disse à Reuters, em nota, que intensificou as ações de combate ao furto de energia em regiões de alta e média renda e que tem investido também em tecnologias, como medição eletrônica e blindagem da rede.
Mas os esforços concentram-se no que a empresa chama de "áreas possíveis".
"Hoje a empresa se encontra impedida de combater perdas e inadimplência em diversas comunidades", diz a elétrica na apresentação feita à UFRJ.