Investing.com – A Americanas (BVMF:AMER3), atualmente em recuperação judicial devido às dívidas bilionárias, adiou para até quinta-feira, 16, a divulgação do balanço dos resultados financeiros referentes aos anos de 2021 e 2022. Inicialmente, as demonstrações financeiras seriam reportadas na segunda, mas foram postergadas novamente. Analistas demonstram cautela em relação ao balanço e reforçam a dificuldade na leitura em meio ao rombo contábil.
A varejista alegou ter sido “vítima de uma fraude sofisticada e muito bem arquitetada, o que tornou a compilação e análise de suas demonstrações financeiras históricas uma tarefa extremamente desafiadora e complexa”. Assim, mesmo com a conclusão da elaboração das demonstrações financeiras e procedimentos de auditoria, afirmou não ter sido possível cumprir todo o rito interno de aprovação previsto nas regras de governança.
Reapresentação
A companhia afirmou que concentrou os esforços na fase final de preparação das suas demonstrações financeiras e de obtenção do parecer de auditoria para reapresentar os dados de 2021 e divulgar suas demonstrações financeiras do ano passado.
No entanto, alegou que os últimos dias foram de informações confidenciais e especulações sobre o processo de Market Sounding do Hortifruti Natural da Terra, “o que afeta o processo e a gestão diária dos negócios”, detalhou a varejista em comunicado ao mercado.
Assim, afirmou que não deve retomar os processos de market sounding das UPIs HNT e Uni.Co no curto prazo pois, “apesar de serem parte relevante do plano de recuperação judicial em discussão com credores, as alienações das UPIs só fazem sentido dentro de determinados parâmetros, principalmente de preço, mas também de condições de mercado, competição por recursos internos, gestão dos times, entre outros”, completou a companhia, que disse continuar a monitorar os parâmetros para avaliar se a venda seria conveniente no futuro.
O que esperar do balanço?
Analistas demonstram cautela em relação ao futuro da empresa em meio à crise que vive a varejista e reforçam a dificuldade para a leitura das demonstrações financeiras e precificação da companhia. Fernando Ferrer, analista da Empiricus, lembra que, após o escândalo contábil, a empresa entrou em repressão judicial e, por conta disso, é obrigada a divulgar dados mensais específicos.
“Alguns eram até abertos, aí ela deixou de abrir por serem dados mais sensíveis. Por exemplo, o prazo de pagamento a fornecedores, em dezembro de 2022, era de 122 dias, ou seja, ela demorava quatro meses para pagar o fornecedor. Hoje é 3 dias. A base de clientes ativos eram 50 milhões de clientes ativos, hoje são 42 milhões”, detalha o analista, ao avaliar que o dado de clientes ativos traz complicações devido às distintas possibilidades de frequência desse consumo.
Em relação a número de lojas, a Americanas chegou a ter 1882 lojas no final do passado, mas hoje possui 1779, destaca o analista, que avalia o fechamento de unidades como pequeno, diante da situação financeira complicada. “Dado o problema, acho que ela deveria enxugar mais”, reforça.
O analista lembra que, em setembro, a companhia investiu R$25 milhões em lojas, valor 83% menor do que a média dos investimentos feitos em outubro, novembro e dezembro, que tinha sido R$151 milhões, valor que considera bem discrepante.
Durante o processo de recuperação judicial, a companhia vem realizando uma série de conversas com credores e chegou a contar com injeção de recursos por parte dos acionistas de referência. Além disso, promoveu dois market sounding, para verificar com mercado para ver se havia interesse tanto no Natural da Terra e quanto no Uni.Co, para eventualmente levantar recursos.
“Acontece que ambos os market sounding acabaram gerando muito ruído no mercado e atrapalhando as operações da companhia, então ela teve que suspender ambos, uma dificuldade também de vender as operações que ela tem. Ela desfez a joint venture que ela tinha com a Vibra e na semana passada teve a suspensão por parte da B3 (BVMF:B3SA3) no Novo Mercado”, menciona.
O analista aponta ser difícil saber qual impacto de todos os acontecimentos no resultado, que é referente a fechamentos anteriores. “Em tese, como o evento foi em janeiro, não deveria ter nenhum impacto em relação a isso. O impacto que a gente vai ter é das práticas que eles já vinham fazendo, seria então uma limpeza dessas práticas. Então acho que vai ser um resultado muito difícil de ler, para ser sincero, porque provavelmente a gente vai ver rombos grandes, muitos ajustes, dado o problema, e até por isso que a apresentação desse resultado já foi adiada várias vezes”. A Empiricus não tem posicionamento e não recomenda exposição ao papel da Americanas.
O analista independente Sérgio Cachoeira avalia que a situação da Americanas retrata bem o cenário de varejo para o Brasil, que possui uma população economicamente ativa de cerca de 100 milhões de pessoas. “No entanto, 70 milhões de pessoas estão endividas, e soma-se a essa condição adversa a concorrência com empresas chinesas, comércio de rua e grandes players de varejo local”, explica.
“A política monetária tem defasagem em seus efeitos na economia real, e verificando o balanço de alguns bancos, é provável que melhores condições de crédito sejam vistas apenas em 2024”, acredita o analista.
Escândalo contábil
Desde janeiro, analistas vêm aguardando mais detalhes sobre os dados financeiros da varejista, após a descoberta do que, na época, foi chamado de “inconsistências contáveis” no balanço da empresa. Com recomendações sob revisão, as informações são esperadas para viabilizar a precificação.
O anúncio do rombo levou à renúncia do presidente-executivo Sergio Rial e do diretor financeiro na companhia, apurações em processos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que fiscaliza o mercado de capitais brasileiro, e na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados.
A CVM passou a investigar supostas irregularidades relacionadas às inconsistências contábeis, incluindo a atuação das empresas de auditoria KPMG e PwC, além de possível insider trading na empresa. Em participação na audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, o presidente da CVM, João Pedro Barroso do Nascimento, disse que o episódio foi “lamentável e gravíssimo”. A Comissão não possui poder de polícia, mas pode aplicar sanções administrativas.
A CPI, no entanto, concluiu as atividades sem indiciar os possíveis culpados pela fraude na varejista, por não haver provas suficientes, segundo o relator, deputado Carlos Chiodini (MDB-SC).
Com a pressão de credores, com o escândalo, os acionistas de referência da companhia — Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles — decidiram por um aporte financeiro na empresa.
Exclusão do Novo Mercado
Neste mês, a B3 decidiu pela suspensão do uso do selo de Novo Mercado pela Americanas e multou 22 pessoas físicas ligadas à sua administração, primeira penalidade do tipo a uma companhia desse segmento, que possui padrões de governança e transparência mais elevados. A varejista já havia sido excluída anteriormente dos índices da B3.
Após o anúncio, a Americanas divulgou documento à imprensa reclamando da penalidade. “A decisão da B3 aplicou sanções de multa, ainda, a administradores e integrantes de órgãos de assessoramento da companhia, atuais e antigos”, afirmou a Americanas em fato relevante.
A Americanas afirmou que vai apresentar recurso “o que deverá suspender os efeitos da sanção até decisão sobre o recurso, e confia no seu integral provimento”, em sua visão.
Às 14h30 (de Brasília), as ações da Americanas estavam estáveis, a R$0,80.