Por Nayara Figueiredo
SÃO PAULO (Reuters) - O surto do novo coronavírus, que paralisou fábricas na China, deixa a indústria de defensivos agrícolas no Brasil em alerta, diante dos riscos para o fluxo de importações brasileiras da matéria-prima para o setor, fortemente dependente do produto do país asiático.
Embora a situação da doença na China, epicentro do coronavírus, esteja sendo aos poucos controlada, com uma redução do número de casos, problemas logísticos poderiam prejudicar a oferta de agroquímicos disponíveis para o plantio da safra 2020/21 no Brasil.
"A China é a maior fornecedora global de matéria-prima para a produção de defensivos. Se faltar produto para nossa indústria, vai faltar em algum momento para o agricultor", disse à Reuters o presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), Julio Borges Garcia.
O executivo acredita que, por enquanto, o mercado está "em estado de atenção sobre as condições da oferta" neste ano e somente daqui a dois ou três meses será possível avaliar se, de fato, haverá escassez de algum defensivo.
Segundo ele, ninguém estava preparado para uma doença como o coronavírus e seus efeitos, e, portanto, os fabricantes de agroquímicos não anteciparam compras ou formaram reservas capazes de reduzir, ainda que parcialmente, a dependência das importações.
"Estamos avaliando os níveis de estoques, mas a maior parte deles está nos distribuidores. Agora, precisamos aguardar para saber em quanto tempo a China responderá a estes problemas e, em consequência, se faltará ou haverá atraso na entrega de alguma matéria-prima", explica o presidente do Sindiveg.
O pico das importações brasileiras de defensivos acontece entre os meses de maio e outubro. Sendo assim, Garcia ressalta que há possibilidade de minimizar algum prejuízo vindo da China, caso consigam conter o coronavírus a tempo. Ele lembra que concorrentes, como os Estados Unidos, podem ter danos maiores porque fazem suas compras do setor agora.
No ano passado, os chineses forneceram 38% do total importado pelo Brasil em defensivos, segundo levantamento do Itaú BBA com base em dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). O glifosato, um dos herbicidas mais utilizados na agricultura brasileira, foi 99% fornecido ao país pela China em 2019.
Cientes deste cenário, os agricultores brasileiros podem antecipar as aquisições de insumos que serão utilizados na safra 2020/21, que será plantada a partir de setembro deste ano, mas Garcia diz que as primeiras compras realizadas tendem a ser de fertilizantes e sementes.
"É cedo para traçar perspectivas concretas sobre a aquisição de defensivos no ano. Também precisamos de mais informações sobre o clima, que interfere na janela de plantio e na proliferação de doenças na lavoura. A tendência, porém, é de vendas maiores porque a área plantada tem potencial para crescer mais", afirma o executivo do sindicato.
Na safra atual, de 2019/20, a área plantada com grãos avançou 2,4% em relação à temporada anterior, para 64,8 milhões de hectares, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Do ponto de vista da demanda, o presidente do Sindiveg avalia que tanto a questão da área cultivada quanto o nível de capitalização dos agricultores são indicadores positivos para o consumo de defensivos.
"A valorização do câmbio beneficia o agricultor e, enquanto compradora, a China continua demandando alimentos do Brasil", afirmou.
Para ele, setores como o de açúcar e de café também passam por momentos favoráveis ao consumo de agroquímicos.
"O dólar alto onera os custos dos insumos importados, mas os produtores também estão travando as vendas de soja, por exemplo, em patamares excepcionais de preço", argumenta.
APLICAÇÃO AVANÇA
Segundo levantamento encomendado à consultoria Spark pelo Sindiveg, o mercado de defensivos agrícolas cresceu cerca de 6% "em dólar de produto aplicado", com uma movimentação próxima a 13,7 bilhões de dólares.
O dado refere-se ao valor que o agricultor negociou o produto que foi aplicado no campo, e não corresponde ao faturamento das indústrias, alertou o presidente da associação.
O estudo apontou ainda que, apesar do avanço mercado, o custo médio por produto aplicado diminuiu 2%, de 9,09 dólares para 8,90 dólares no comparativo anual, o que sinaliza que a relação de troca foi mais favorável ao produtor rural.
A pesquisa contou com a participação de 18 mil agricultores, em toda a fronteira agrícola nacional, focando os principais cultivos, como soja, cana, milho, algodão e café, que representam cerca de 80% da aplicação de agroquímicos no país.
À Reuters, Garcia contou que algumas pragas estão cada vez mais resistentes e, para controlar isso, o agricultor precisa utilizar diferentes combinações de defensivos.
"Este é nosso principal gargalo. Precisamos de modernização nas leis para registro de produtos novos, para que um único agente possa substituir esta combinação de produtos que, em alguns casos, já estão defasados", diz.
Já o volume de produto aplicado por hectare diminuiu 1% na variação anual, para 0,63 quilo por hectare.
"Trata-se de uma tendência natural. De modernização dos equipamentos utilizados no processo e também da otimização nas aplicações feita pelo produtor", explicou.
(Por Nayara Figueiredo)