Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - O aumento da cota isenta de tarifa externa do Mercosul para compras de trigo em países fora do bloco comercial é uma opção em caso de necessidade por desdobramentos da guerra na Ucrânia, afirmou nesta terça-feira a associação que representa as indústrias processadoras do Brasil (Abitrigo).
Atualmente, o setor no Brasil, um dos maiores importadores globais de trigo, paga uma taxa de 10% para importações que excedem uma cota de 750 mil toneladas ao ano isenta de tarifa.
"Reforçamos que a Abitrigo não pedirá um aumento desse volume (da cota), mas que esse assunto pode voltar à tona caso a situação de fornecimento piore. Nesse caso, entendemos que o governo poderia ter de examinar a possibilidade de isentar a TEC de volumes acima daquela tonelagem", disse o presidente da Abitrigo, Rubens Barbosa, em nota nesta terça-feira.
A afirmação foi feita em momento em que o mercado em Chicago opera em máximas, após subir mais de 35% desde o início da guerra, diante de temores de escassez no mundo por conta do conflito no Leste Europeu, grande fornecedor do cereal.
Em 2020, quando a oferta apertou no Mercosul, a indústria brasileira foi contemplada com uma cota adicional, o que elevou o volume anual isento de taxa para 1,2 milhão de toneladas.
Os Estados Unidos são, em geral, os maiores fornecedores do Brasil fora do Mercosul, e tendem a se beneficiar de uma cota adicional sem tarifa. Os moinhos brasileiros adquirem a maior parte de suas necessidades dos parceiros comerciais Argentina, Uruguai e Paraguai, que vendem com isenção de taxa.
Em 2020, quando a cota extra vigorou, o Brasil importou 733 mil toneladas dos EUA, além de 237 mil toneladas da Rússia, e outras 115 mil toneladas do Canadá, com os países do Mercosul respondendo pela maior parte da oferta externa adicional. Naquele ano, o Brasil importou 6,16 milhões de toneladas, segundo dados do governo.
Em 2021, quando o Brasil colheu uma safra recorde, as importações dos EUA somaram somente 90 mil toneladas, enquanto russos venderam 28 mil toneladas, com a Argentina abocanhando uma parcela maior, de quase 5,5 milhões de toneladas.
O sensível tema, uma vez que agricultores brasileiros podem perder oportunidades de negócios com o trigo trazido de fora do Mercosul, foi mencionado em uma nota da Abitrigo que revelou um encontro com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, na última quinta-feira, para discutir a forte alta do cereal no mercado global.
O Brasil praticamente não compra trigo da Rússia e não registra importações do produto ucraniano, mas um eventual aperto na oferta brasileira, como efeito da guerra, não é descartado.
Primeiro porque a Argentina, tradicional e grande fornecedor do Brasil, pode vir a atender mercados que eram clientes dos países do Leste Europeu; segundo, pelo fato de o Brasil, por si só, estar exportando volumes recordes, com negócios recentes também relacionados aos efeitos do conflito.
REPASSE DE CUSTOS
O aumento da produção do grão no Brasil foi um dos assuntos debatidos na reunião com a ministra. A Abitrigo reforçou a importância do apoio do governo ao projeto da Embrapa, que visa a ampliação da área plantada no norte do Cerrado.
O executivo também fez uma exposição quanto às perspectivas e os impactos da situação para o mercado do trigo, e comentou que o repasse de custos do cereal pode ser inevitável.
"Ressaltamos a nossa preocupação com o substancial aumento do preço e o peso que isso representa para a indústria. Mencionei ainda que cada empresa decidirá o que fazer, mas assinalei que seria difícil evitar algum repasse para o preço da farinha", disse ele.
Na semana passada, a Abitrigo divulgou nota dizendo que o Brasil não terá problemas de abastecimento no curto prazo.
Mas a disparada nas cotações internacionais pela guerra gerou uma condição de mercado favorável para exportações do Brasil, que normalmente importa mais do que exporta trigo --o que pode apertar a oferta, informou a Reuters nesta terça-feira.
A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) estimou nesta terça-feira embarques de 502,6 mil toneladas de trigo para março, ante nenhum volume no mesmo período do ano anterior.
Caso a projeção se confirme, as vendas externas de trigo podem somar 2,12 milhões de toneladas no acumulado do primeiro trimestre deste ano, perto do dobro do visto no mesmo período de 2021, segundo a Anec.
(Por Roberto Samora; com reportagem adicional de Nayara Figueiredo)