SÃO PAULO (Reuters) - O terror – especialmente o sobrenatural –, em tese, é um gênero capaz de dar conta do mal-estar do presente como nenhum outro. Suas liberdades metafísicas oferecem a possibilidade de investigar algo de muito real que não está bem em uma sociedade. Os melhores exemplares são aqueles que, ao mesmo tempo em que criam tensão, fazem um comentário social. O nacional “O Rastro”, longa de estreia J. C. Feyer, parece ter essa ambição, mas a intenção é melhor do que o resultado.
O momento do Brasil é mais do que propício a um filme de terror, particularmente um capaz de captar toda a polarização política e o incômodo social do presente. O longa, roteirizado por Beatriz Manela e André Pereira, traz como pano de fundo um comentário óbvio sobre o estado das coisas: seu cenário principal, um hospital público, está sendo fechado pelo próprio governo, enquanto pessoas protestam em frente ao prédio.
O interessante mesmo seria decifrar as mazelas sociais em meio ao sobrenatural que, nesse tipo de filme, não precisa ser explicado – na verdade, nem deve. Aqui, no entanto, trabalha-se com um gênero tipicamente americano sem qualquer especificidade sobre o Brasil, resultando num genérico de “O Chamado”, falado em português e estrelado por atores e atrizes de novelas da Globo.
Rafael Cardoso é o médico João, que está cuidando da transferência dos pacientes enquanto o hospital é fechado. Uma garota de 10 anos desaparece sem deixar qualquer traço. Também não tem nenhuma família que a procure, e o sumiço consome o protagonista, que está prestes a ser pai. Sua mulher é Leila (Leandra Leal).
Consumido pela culpa, João, por conta própria, investiga o desaparecimento da menina, o que o levará a esbarrar em personagens que parecem guardar segredos – além muitas possibilidades dramáticas mal exploradas –, como uma colega de trabalho (Claudia Abreu) e um grande amigo e diretor do hospital (Jonas Bloch). Há, também, um momento-chave em que a trama sofre uma reviravolta e, a partir daí, o filme se torna confuso, sem encontrar uma resolução satisfatória para nenhuma das histórias que passa a contar. Fora o prólogo no final que não diz a que veio.
Feyer é, tecnicamente, competente e mostra que viu muitos filmes, especialmente americanos, do gênero, e traz, na figura da menina desaparecida, uma Samara para chamar de sua, que passa o tempo todo gritando e saltando na frente da câmera para assustar – algo mais gratuito, impossível.
É louvável que o diretor se volte a um gênero tão negligenciado pelo cinema brasileiro – atualmente, Marco Dutra e Juliana Rojas são dois raros exemplos, responsáveis por “Trabalhar Cansa” (2011). Por isso mesmo, seria bem interessante ver algo de mais específico que dialogasse com o contexto brasileiro aqui – e os tais protestos populares do filme contra o fechamento do hospital são coadjuvantes demais transmitir algo além. Nesse sentido, em comparação, o drama “Sob Pressão”, de Andrucha Waddington, lançado no ano passado, e que também aponta o estado precário da saúde pública, é mais revelador e até mais assustador em seu realismo.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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