(Reuters) - Descortinar sua própria alma e a de seus personagens tão bem a ponto de fazer o mesmo com o público que assiste a sua obra é um dos acertos do cineasta Luiz Villaça em seu quarto longa, “De Onde Eu Te Vejo”. Denise Fraga e Domingos Montagner interpretam o ex-casal que encontra na distância da separação a oportunidade de se enxergar melhor enquanto indivíduos.
Sob a aparência de mais uma comédia romântica, o filme desconstrói qualquer barreira da plateia ao construir em bases sólidas o drama de uma arquiteta do Rio de Janeiro e de um jornalista de Ribeirão Preto, que, após se conhecerem em São Paulo e lá criarem uma vida conjunta por 20 anos, enfrentam o fim do casamento. Faz isso, porém, sem perder sua ternura e bom humor, pois nada menos do que inusitado, para dizer o mínimo, é o fato de Fábio (Montagner) se mudar para um apartamento no prédio da frente de onde vivia com Ana (Fraga).
Com vista completa do imóvel do ex-marido e vice-versa, o Big Brother mútuo piora por conta da partida iminente da filha deles (Manoela Aliperti), que passou no vestibular para estudar Veterinária em Botucatu, interior do Estado. Além da questão do ninho vazio, a obra ainda abarca outros temas atuais, como a crise do jornalismo, representada na trajetória de Fábio e de sua amiga Olga (Marisa Orth), ou o crescimento urbano e expansão imobiliária nos dilemas profissionais de Ana.
O feito do roteiro, escrito pelo cineasta com seus novos parceiros na TV Leonardo Moreira e Rafael Gomes, é alinhar todas essas frentes de modo a evitar uma narrativa cansativa, diálogos rebuscados, personagens superficiais ou uma história sem humanidade. E o recurso de Ana conversar direto com o público sobre sua visão da relação só contribui com a aproximação com a plateia. Mais que isso: ainda que se atenha ao estrato social da classe média e apresente os pontos turísticos, o filme o faz de forma tão genuína, crítica e tocante, que se torna uma carta de amor a São Paulo bem mais sincera e superior ao recente “Amor em Sampa”.
Em conjunto, Denise e Domingos esbanjam química nas diferenças e cumplicidades de Ana e Fábio: ela, mística ou supersticiosa, quer sempre mudanças, enquanto ele prefere estabilidade e a segurança da rotina. A credibilidade que impõem ao casal transpassa para a família, completada por Manu, que se destaca como a filha adolescente, que pode sentir um pouco de vergonha dos pais em determinadas situações e ainda sim ser a conselheira e voz da razão dos adultos em crise.
Se Orth exala humor, mesmo no seu tipo estressado, Laura Cardoso entrega uma atuação sempre magnífica em poucas cenas, como uma senhora que vive sozinha, em um mundo paralelo com seus passarinhos, numa das casas que a protagonista pretende demolir.
Em todos os personagens ecoa essa luta entre memória e renovação em que a obra se detém. Aos poucos, eles descobrem que o velho precisa se abrir para o novo, mas entendem que nem sempre as mudanças devem ser drásticas: naturalmente, o fluxo da vida corre nos relacionamentos, nas carreiras profissionais, nos hábitos cotidianos ou nos centros urbanos. Assim como a trilha sonora de Dimi Kireeff, cujos acordes de violões podem ser exagerados em um par de cenas, mas fluem de acordo com as emoções da história.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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