SÃO PAULO (Reuters) - Platinada, frágil e sufocada por um homem opressor, Amy Adams poderia muito bem ser uma musa hitchcockiana em "Grandes Olhos". Mas, afinal, ela é uma ilustre desconhecida pintora no filme dirigido por Tim Burton sobre o casal Margaret e Walter Keane (Amy e Christoph Waltz) e seus famosos quadros de crianças de olhos desproporcionalmente gigantescos, que se tornaram sucesso nos anos de 1960.
Separada do marido e com uma filha pequena, Margaret, nascida Peggy Doris Hawkins, ruma para San Francisco, onde espera viver de sua pintura. Tudo o que consegue é um emprego pintando decorações em berços.
Na mesma feira, onde, aos domingos, tenta vender seus quadros de crianças estranhas, conhece Walter. Ele também é um pintor amador, cuja obra se resume a paisagens urbanas parisienses.
Depois de se casarem, Walter arrenda o corredor de acesso aos banheiros em um nightclub e tenta vender quadros dos dois. Mas quando as pinturas de Margaret começam a chamar mais a atenção – e render mais dinheiro – do que as dele, Walter finge ser o autor das obras.
Se num primeiro momento, para Margaret ele parecia ser um cara legal, doce e amável, agora revela-se um lado inteiramente diferente. Walter – que também já foi corretor imobiliário – tem tino para venda, especialmente para a autopromoção.
Há uma cena, ao mesmo tempo assustadora e reveladora, que começa com Margaret no supermercado pegando uma lata de sopa de rótulo vermelho de uma prateleira meticulosamente arranjada – uma recriação da famosa obra de Warhol.
É o sinal de um tempo e Walter, mais do que ninguém, está sintonizado com ele – além dos quadros, que ainda vendem muito, ele pode lucrar com pôsteres, bem mais baratos e acessíveis a quem não tem dinheiro para um original.
Esses cartazes são, no fundo, a cópia da cópia, uma vez que originalidade nunca foi o traço definidor da arte de Margaret. E em "Grandes Olhos", Burton – trabalhando com um roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski – quer dizer algo exatamente sobre estilo e esvaziamento a partir da reprodução.
Ele que é um diretor conhecido por seu estilo peculiar, tantas vezes copiado (sem muito sucesso), e, talvez, já exaurido e em busca de novos caminhos. A abertura do filme, com reproduções idênticas saindo de uma máquina, todas iguais, todas replicando uma mesma pintura feia de Margaret, faz lembrar o título de um famoso ensaio de Walter Benjamin: "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica".
O sucesso de Walter começa a desmoronar quando ele recebe a encomenda de um painel gigantesco para a Feira Mundial de 1964, chamado "Tomorrow Forever".
Um crítico do The New York Times, John Canaday (Terence Stamp), coloca tudo em seu devido lugar num artigo demolidor – chamando o painel de a "própria definição de falta de gosto". A partir de então, o ego gigantesco e machucado de Walter começa a colocar tudo a perder em seu esquema.
Burton nem sempre parece estar muito confortável com o material. Em apenas uma cena – a do supermercado com as latas de sopa – ele deixa sua marca peculiar emergir. É quando os quadros de Margaret parecem ganhar vida, e com seus olhos gigantescos e melancólicos a censuram por deixá-los serem usados pela ambição de Walter.
Em "Ed Wood", um de seus melhores trabalhos, Burton fez uma cinebiografia daquele que foi considerado "o pior cineasta de todos os tempos". Aquele filme pode não ter melhorado a obra do biografado, mas colocou seu trabalho em perspectiva, dando-lhe um novo status. Aqui, Margaret não teve a mesma sorte.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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