SÃO PAULO (Reuters) - Lendário roqueiro e performer, o inglês David Bowie (1947-2016) foi também um ator cultuado. Um ano depois de sua morte, chega como uma boa homenagem o relançamento da ficção científica “O Homem que Caiu na Terra”, de Nicolas Roeg, (1976), seu papel de estreia em longas, em cópia recentemente remasterizada.
Diretor de obra peculiar, o britânico Roeg (“Aquele Inverno em Veneza”, “A Longa Caminhada”) utilizou à perfeição a particularidade da própria persona pública de Bowie, com sua figura longilínea, andrógina e naturalmente carismática, para compor o protagonista Thomas Jerome Newton, um alienígena que viaja à Terra em busca de uma solução para seu planeta moribundo, devido ao esgotamento das reservas de água.
Caído perto de um lago na paisagem desértica do Novo México, o extraterrestre veio preparado. Conta com um passaporte britânico e uma coleção de anéis preciosos para trocar por dinheiro – o que ele faz na primeira casa de penhores que encontra, num cenário que tem muito de clima de faroeste.
Dando sinais de ter planejado cuidadosamente sua incursão, Thomas começa a encontrar os parceiros humanos para sua aventura na Terra, como o advogado especializado em patentes Oliver Farnsworth (Buck Henry). Este se torna seu braço direito na organização de uma empresa milionária, justamente a partir de nove patentes de produtos revolucionários que ele trouxe na bagagem.
A ideia do alienígena é juntar muito dinheiro para financiar um programa espacial que lhe permita resgatar sua família, retida no planeta destruído.
Outros parceiros são a ex-garçonete Mary Lou (Candy Clark), mulher simplória e ingênua com quem ele passa a viver, e o cientista e professor Nathan Bryce (Rip Torn), que se torna consultor científico de sua empresa.
Apostando numa narrativa fragmentada, com uma montagem sincopada, que desestabiliza frequentemente as certezas do espectador, Roeg sustenta uma atmosfera de estranheza, de deslocamento – e não apenas para o alienígena. Este se afasta cada vez mais do rigor de seu projeto original, imergindo no caos das engrenagens sociais, psicológicas e políticas de seu novo planeta – até porque é certo que seu extraordinário sucesso não passa despercebido ao Departamento de Estado e ao serviço secreto dos EUA.
Embora longe de ser uma típica obra de ficção científica e ostentando, como seria de esperar, efeitos especiais muito modestos para os padrões atuais, é sintomático como um filme de 41 anos, adaptando livro de Walter Tevis de 1963, coloca em foco temas que continuam a preocupar até hoje – como a rejeição ao estrangeiro/estranho, a espionagem governamental, a iminência de tragédias ambientais, a escassez da água.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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