SÃO PAULO (Reuters) - No meio da turbulência política do país, até mesmo os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, que serão realizados em agosto, chegam a ficar em segundo plano nos noticiários. E se a chegada da competição parece distante de grande parte da população, apesar da proximidade da data, o que dizer das Paralimpíadas, desconhecidas por muitos.
Marcelo Mesquita era uma dessas pessoas. Apesar de acompanhar o noticiário esportivo, ele se surpreendeu ao ver o estádio cheio e os tempos obtidos na prova que inspirou e abre seu novo documentário, “Paratodos”: a final dos 200m rasos das classes T43/T44 do atletismo nos Jogos Paralímpicos de Londres-2012, na qual o brasileiro Alan Fonteles desbancou o favoritíssimo sul-africano Oscar Pistorius. Se foi nesta última edição que o Brasil se consagrou como a sétima potência mundial dos esportes adaptados, o cineasta percebeu que naquele universo havia material suficiente para um longa.
Contudo, ao longo das filmagens, realizadas em diversos países e competições, durante o intervalo de quatro anos deste ciclo paraolímpico, novos personagens e questões importantes, como o problema da classificação motora errada dos competidores, surgiram no caminho da ambiciosa produção, que evita o vitimismo e se afasta do sentimentalismo, tão comuns ao tema, para simplesmente mostrar o dia-a-dia de atletas de alto rendimento.
Negligenciar as dificuldades para ingressar no esporte paralímpico em um país de pouco incentivo esportivo, de um modo geral, talvez seja o principal pecado do longa.
Por isso, é significativo o documentário iniciar com a história de Alan, ligada de certa forma à trajetória do Pistorius, de campeão mundial e ídolo nacional a acusado de assassinar a própria namorada, deixando clara a intenção de apresentar seres humanos, com todos os seus defeitos e qualidades.
Assim, o longa foca, às vezes, até de modo demasiado, no ganho de peso do velocista biamputado brasileiro após seu ano sabático, privando o público de mais detalhes da carreira de Terezinha Guilhermina, deficiente visual tricampeã paralímpica, e de Johansson Nascimento, marcado pelo pedido de casamento que fez logo após ganhar o ouro em Londres.
O núcleo do atletismo concentra o primeiro e mais atravancado dos quatro atos da produção, estruturada em uma narrativa episódica pelo roteirista Peppe Siffredi – parceiro de Marcelo em seu primeiro longa, “Cidade Cinza”, que, por sua vez, foi produtor de seu projeto “A Viagem de Yoani”.
A divisão facilita a compreensão do espectador pouco familiarizado com a área esportiva e uma possível migração do produto para a televisão, em formato de série, mas perde ritmo em seu último segmento, dedicado à natação. Destacando as medalhas do multicampeão Daniel Dias e as conquistas de Suzana Schrnardof confrontando o avanço de sua doença degenerativa, a última parte escorrega em um viés sentimentalista, mas ainda sim consegue repassar bem a mensagem final de superação a que o longa se propõe.
No entanto, são o segundo e terceiro atos que demonstram uma preocupação estética e apuro técnico maior de Mesquita e sua equipe, fugindo do caminho convencional do início e do final. A abertura do segmento da canoagem impressiona com a imagem aérea indo da pista da Marginal Pinheiros para a Raia Olímpica da USP onde Fernando Fernandes está treinando.
O plano carrega todos os significados da trajetória do ex-BBB e modelo que teve sua carreira transformada após um grave acidente de carro que o deixou paraplégico e o levou para a paracanoagem, modalidade em que se tornou tetracampeão mundial, tornando-se exemplo para a entrada de novos atletas como o carismático Fernando "Cowboy" Ruffino.
O trecho destinado ao futebol de 5, modalidade em que todos os jogadores, com exceção do goleiro, são cegos, começa, por sua vez, com um quadro quase todo negro em uma imagem em contrassol.
Em conjunto, o desenho de som usa constantemente os ruídos externos, até na referência ao terremoto que presenciaram no Japão, quando participaram do Campeonato Mundial, e os batuques de samba dos próprios atletas, liderados pelo capitão Ricardinho, para guiar o espectador ao universo dos retratados.
Minutos depois, o público está acompanhando os jogos deles como se torcessem em tempo real, tal a identificação criada eficientemente por uma direção nada mais que humana.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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