Por Lisandra Paraguassu e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - Um grupo de venezuelanos ligados a Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino da Venezuela e reconhecido como chefe máximo do país vizinho pelo Brasil, ocupa desde a madrugada desta quarta-feira a embaixada do país em Brasília após terem tido, segundo eles, acesso liberado por servidores da representação, ato que abriu uma tensa disputa com diplomatas partidários do presidente venezuelano Nicolás Maduro que acusa o grupo de invasão do local.
A crise na embaixada brasileira --que não dá sinais de solução-- começou às vésperas do início da reunião de cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, índia, China, África do Sul), com Brasília tomada por um alto grau de segurança. A Venezuela promete ser um ponto de divergência entre os países.
Enquanto em anos anteriores havia um acordo na defesa do diálogo com o governo de Maduro, dessa vez o governo brasileiro, liderado pelo presidente Jair Bolsonaro, tem posição oposta a China e Rússia, que ainda mantêm relações com Maduro.
De acordo com informações passadas pela assessoria de María Teresa Belandria, a embaixadora de Guaidó no Brasil, funcionários da embaixada liberaram a entrada do ministro-conselheiro do governo interino, Tomás Silva. Ao ingressar no local, ele e outros membros do grupo de apoio a Guaidó encontraram venezuelanos que moram na representação diplomática.
Conforme informações levantadas pelo Itamaraty, ao saber da entrada do grupo de Guaidó, representantes de Maduro que ainda estão no Brasil --entre eles o encarregado de negócios e o adido militar-- foram até o local para tentar retirá-los, e a situação ficou tensa.
Um diplomata brasileiro foi enviado ao local, junto com o batalhão Rio Branco --a tropa da Polícia Militar do Distrito Federal encarregada da segurança das embaixadas-- para tentar mediar a situação. Segundo a reportagem da Reuters, que está no local, as negociações ainda ocorrem do lado de dentro e não há clareza se haverá uma solução para o impasse nas próximas horas.
O líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS), e o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) --que são pró-Maduro-- entraram na representação diplomática e acompanham a situação, inclusive fazendo transmissão diretamente do local.
Pimenta chegou a insinuar que os apoiadores que estão na embaixada não seriam militantes e sim "milicianos pagos" pelo que ele disse ter notado das poucas palavras que trocou com o grupo.
Do lado de fora, segundo a reportagem, houve três momentos de tumulto entre simpatizantes de Guaidó e de Maduro. Em um dos casos, uma pessoa que seria partidária de Maduro foi detida pela Polícia Militar após uma troca de socos. Ainda há manifestantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) --pró-Maduro-- e também de pessoas pró-Guaidó nas imediações do local, onde foi feito um cordão de isolamento para impedir que mais pessoas entrem na representação diplomática.
AVISO
Em nota, Belandria afirmou que o Itamaraty foi avisado imediatamente da entrada na embaixada, o que os diplomatas brasileiros negam. O Itamaraty informa que foi avisado apenas na manhã desta quarta, quando enviou um representante para mediar a situação.
O governo brasileiro, no entanto, não tem jurisdição sobre a embaixada, que é oficialmente território venezuelano. De acordo com uma fonte diplomática, a situação é confusa, com um grupo acusando o outro de invasão, e há um impasse no momento.
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, discutiu a situação com Bolsonaro nesta manhã e o Itamaraty deve soltar uma nota ainda nesta quarta, segundo uma fonte da diplomacia brasileira.
O chanceler do governo Maduro, Jorge Arreaza, afirmou no Twitter que a embaixada foi “invadida à força na madrugada” e cobrou o governo brasileiro a garantir a segurança de seu pessoal e de suas instalações. “Exigimos respeito à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas”, afirmou.
Por outro lado, Julio Borges, chanceler do autoproclamado governo de Guaidó, acusou que a invasão da representação diplomática se deu por parte de grupos violentos ligados ao "foro de São Paulo e a agentes cubanos", sem dar detalhes.
"Diplomatas venezuelanos se posicionaram ao lado da democracia e entregaram a sede da embaixada da Venezuela no Brasil ao governo legítimo", disse, também no Twitter.
A primeira manifestação oficial do governo brasileiro sobre o episódio partiu do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ligado à Presidência da República. Inicialmente, o GSI negou que Bolsonaro tenha tomado conhecimento e, muito menos, incentivado a invasão da embaixada por partidários de Guaidó. Numa nova versão da nota, minutos depois, foi retirada essa menção aos aliados do autoproclamado presidente venezuelano.
“O presidente da República jamais tomou conhecimento e, muito menos, incentivou a invasão da embaixada da Venezuela”, disse a nova nota.
Em meio a uma intensa agenda de reuniões dos Brics, do qual é anfitrião, o presidente usou sua conta no Twitter para comentar o episódio.
"Diante dos eventos ocorridos na embaixada da Venezuela, repudiamos a interferência de atores externos. Estamos tomando as medidas necessárias para resguardar a ordem pública e evitar atos de violência, em conformidade com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas", disse.
Embora o governo queira se manter publicamente distante do episódio, o líder do PSL na Câmara e filho de Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (SP), divulgou uma mensagem no Twitter do ministro-conselheiro do governo interino, Tomás Silva, após a entrada na embaixada.
Em outra postagem, ele disse que a representação diplomática "mudou porque funcionários reconheceram Guaidó como presidente legítimo". "Invasão é o que ocorre agora com os brasileiros esquerdistas querendo se intrometer na questão", completou.
(Reportagem adicional de Anthony Boadle e Sergio Moraes)