O retrato traçado pela última pesquisa sobre o perfil do investidor brasileiro, realizado pela ANBIMA, nesta semana, revela um paradoxo alarmante: enquanto 82% dos entrevistados afirmam não fazer qualquer reserva para a aposentadoria, um terço dos não investidores confessa não ter sequer intenção de poupar para a velhice.
Esta realidade é minimamente alarmante, uma vez que, segundo a própria ANBIMA, a realidade dos que hoje já vivem do benefício público é bem precária, com 88% dos aposentados dependendo exclusivamente dos recursos da Previdência Social, enquanto apenas 1% dos idosos (60+) tem “independência financeira”: não dependem de filhos, amigos, familiares ou algum auxílio financeiro para sobreviver.
A pesquisa traz, contudo, um lampejo de esperança: em 2024, um terço da população (33%) conseguiu destinar parte de sua renda à poupança, um avanço de três pontos percentuais em relação ao ano anterior, o que se traduz em cinco milhões de novos poupadores. Ainda assim, essa melhoria no hábito de economizar não se traduziu em um redirecionamento dos recursos para aplicações mais rentáveis. A disputa pelo hábito de poupar continua vencida pelo conservadorismo: mesmo com a queda de rendimento da poupança e a migração de investidores em busca de alternativas, esse produto permanece como a escolha principal de 23% dos brasileiros – uma ligeira contração frente aos 25% de 2023.
Quando analisamos o comportamento dos verdadeiros investidores – aqueles que ultrapassaram o estágio de poupadores para aplicar ativamente em mercados –, observamos que 64% ainda confiam seus recursos à poupança. Títulos privados reúnem 17% das preferências, seguidos por fundos de investimento (15%), moedas digitais (11%) e ações (8%). Essas fatias deixam claro que, embora o Brasil conte hoje com uma gama diversificada de instrumentos financeiros, o apetite por risco – e por ganhos superiores à inflação – ainda encontra barreiras culturais e psicológicas que ganham sedimentos na baixa (ou nenhuma) educação financeira, na desconfiança em relação ao sistema financeiro e, muitas vezes, na falta de orientação profissional.
A correlação entre classe social e diversificação de investimentos revela outro aspecto preocupante. Enquanto metade dos indivíduos das classes A e B destina suas economias a produtos financeiros sofisticados, esse percentual cai para 34% na classe C e atinge apenas 23% nas classes D e E. Trata-se de uma barreira estrutural: famílias de menor poder aquisitivo não dispõem de sobra orçamentária para poupar e tampouco têm acesso facilitado a plataformas de investimento ou assessoria qualificada. Além disso, o acesso a informações facilitadas sobre o mercado financeira também reforça essa barreira migratória de produtos financeiros como a poupança para outros mais seguros e rentáveis, como os títulos públicos. Isso alimenta um ciclo vicioso em que a ausência de capital disponível e de conhecimento impedem a entrada em mercados com maior potencial de retorno, perpetuando desigualdades de renda e de patrimônio.
Do ponto de vista técnico, isso é péssimo. A retenção de recursos na poupança por “segurança” ou desconhecimento implica perdas reais. Um investidor que não procura diversificar está exposto ao risco inflacionário e à desvalorização gradual do patrimônio. Movimentos simples poderiam mudar o patamar desse “investidor”, como a construção de uma carteira eficiente que se baseia em segurança, certa liquidez, a combinação de ativos de renda fixa indexados à inflação (como títulos públicos atrelados ao IPCA), papéis de crédito privado bem avaliados e, conforme o perfil de risco, uma parcela de renda variável – ações ou fundos imobiliários – que permita capturar o crescimento econômico do país. Parece simples, mas não é. A falta de informação ativa a “aversão à perda”, justificando o apreço pela poupança e a sua manutenção, mesmo que isso signifique perda real -viés do custo afundado.
A predominância de investimentos conservadores nas classes de menor renda oculta o efeito multiplicador que um maior nível de poupança e investimento poderia ter sobre o desenvolvimento econômico. A formação de capital interno reduz a dependência de recursos externos e diminui a necessidade de endividamento soberano em moeda estrangeira. Ao ampliar o mercado de crédito em reais, fortalece-se a capacidade do Brasil de financiar projetos de infraestrutura, inovação e expansão produtiva, elevando o potencial de crescimento de longo prazo.
Para reverter esse cenário, são imprescindíveis iniciativas que estimulem a alfabetização financeira em todos os segmentos da população. Programas de educação voltados a esclarecer os benefícios de investir, módulos de ensino sobre orçamento e aposentadoria inseridos na grade escolar e parcerias entre governo, instituições financeiras e fintechs podem ampliar o alcance das informações. Paralelamente, é fundamental oferecer produtos de investimento com taxa de administração reduzida, portfólios modelados para pequenos aportes e plataformas intuitivas que permitam ao investidor iniciante acessar de forma simples opções ajustadas ao seu perfil.
Do ponto de vista regulatório, a criação de incentivos fiscais à aplicação em previdência privada aberta ou fechada – como deduções no Imposto de Renda – pode despertar o interesse pela construção de reservas de longo prazo. Já para a camada da população que já ingressa no universo de investimentos, é recomendável o estímulo a boas práticas de alocação, por meio de conteúdos de qualidade e assessoramento profissional acessível e menos contaminados pelas conhecidas “metas” a serem batidas pelos assessores – empurrando produtos financeiras de qualidade duvidosa para perfis não condizentes aqueles produtos.
No ambiente macroeconômico, o aumento da taxa de poupança doméstica - fruto de uma população mais consciente da necessidade de proteção patrimonial - teria efeitos diretos sobre a sustentabilidade fiscal e a estabilidade do sistema financeiro. Uma curva de juros mais estável, embasada em perspectivas sólidas de oferta de capital interno, poderia reduzir o custo do crédito, facilitando o financiamento a empresas e famílias. Em última instância, o perfil do investidor reflete não apenas escolhas individuais, mas características sistêmicas que moldam o futuro econômico do país.
Em suma, os dados da pesquisa escancaram tanto avanços quanto deficiências do comportamento financeiro brasileiro. O crescimento do número de poupadores é um sinal positivo, mas a tradução desse movimento em investimentos consistentes ainda é incipiente. Para que a economia brasileira alcance um nível mais elevado de desenvolvimento e resiliência, é necessário que a cultura de poupar evolua para a cultura de investir, permeando todas as camadas sociais. Só assim haverá geração contínua de riqueza, financiamento de projetos de país e segurança financeira para as próximas gerações.