Por mais absurdo que soe, as últimas semanas têm feito essa afirmação parecer verdadeira.
Em situações normais e em mercados plenamente saudáveis seria o maior dos absurdos supormos uma aparente preferência por dados econômicos piores. Não tenho como provar essa hipótese, mas que os indícios estão lá, não há dúvida.
Analisando um passado não muito distante, no último dia 07 de maio tivemos a divulgação dos dados de emprego de abril nos EUA, o Payroll. O indicador trouxe uma criação de 266 mil postos de trabalho no mês, ante expectativa de 978 mil. Como se isso não fosse suficientemente ruim, os dados de março foram revisados para baixo, de 916 mil na primeira leitura para 770 mil vagas no relatório atualizado.
Série Especial – Inflação nos EUA: a Batalha entre Fed e Mercado
Considerando que estamos enfrentando uma pandemia, em que todos os países foram impactados e, com exceção da China, vimos o PIB das principais economias mundiais retraindo, o que deveríamos torcer para que ocorresse com os indicadores econômicos?
Falo por mim e imagino que seja a lógica para muitos, mas o ideal seria vermos dados econômicos fortes. Indicadores robustos trariam a imagem de que o dever de casa foi feito e poderíamos ver uma recuperação estrutural de longo prazo. Seguindo essa lógica, dados de emprego acima das expectativas deveriam levar à valorizações e negativos à quedas.
O que vimos?
No dia, o S&P 500 teve alta de 0,74%, atingindo seu maior patamar histórico (4.232 pontos), e o Ibovespa subiu 1,77%, ficando muito próximo das máximas recentes aos 122 mil pontos. O que explica isso?
Dados fortes sugerem que o Federal Reserve pode começar a subir os juros antes do previsto, a partir de um eventual compromisso com o controle da inflação que os bancos centrais deveriam ter. Coloco no condicional porque esse trato existe, mas pode ser flexibilizado conforme a necessidade.
Na semana seguinte ao Payroll tivemos a divulgação do IPC, que é o índice de preços ao consumidor nos EUA. Em abril o indicador teve alta de 0,8% em abril, contra uma expectativa de 0,2%. No acumulado de 12 meses houve uma elevação de 4,2%. Para a realidade brasileira, 4,2% não é nada demais, para os EUA o número chama a atenção.
Tanto é ruim que o S&P 500 caiu 2,14% no dia da divulgação (12/05) e o Ibovespa despencou 2,65%. Por quê? Falando do compromisso com o controle da inflação, índices elevados sugerem elevação dos juros. A reação negativa a esse dado ruim é natural, o que surpreende é a magnitude.
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O ponto que quero chegar é que, custe o que custar, o juro americano não pode subir. Essa é a percepção que os indicadores e as reações dos mercados têm me trazido. Juros baixos são ótimos, desde que tenham como contrapartida uma economia em expansão e com inflação controlada.
Juro baixo a qualquer custo é perigoso e temos um exemplo recente aqui no Brasil para provar. Me parece que os investidores globais têm preferido altas de preços no curto prazo, mesmo que incorram em uma potencial crise no futuro, do que valorizações não tão expressivas nos ativos, mas mais sustentáveis por um longo período.
Após a crise de 2008 vimos os balanços dos bancos centrais das principais economias do mundo tendo expansões expressivas.
Apesar de vermos comportamentos parecidos, o FED realizou movimentos mais agressivos tanto que o Banco Central Japonês (BOJ), quanto que os Bancos Centrais Europeu (ECB) e Chinês (PBOC). Os principais saltos ocorreram após a crise de 2008 e a partir do surto do Covid-19.
No agregado, o que vemos é um crescimento contínuo dos ativos dos bancos centrais. Esse crescimento ocorre através de compras de títulos, que têm como resultado final o aumento da liquidez, ou dinheiro disponível, nos mercados.
O aumento da liquidez acaba sendo direcionado para algum lugar. Esse pode ser tanto para a economia real como para o mercado financeiro. Analisando pela ótica do mercado, há um claro impacto:
Com base nesse ultimo gráfico, não se torna evidente o receio com um aumento dos juros ou outra restrição de liquidez nos mercados mundiais?
O temor é perfeitamente compreensível, mas a minha questão é em troca de que risco. Não seria mais sustentável se víssemos algumas elevações suaves de juros, ou diminuições nos volumes de compras de ativos, agora, do que movimentos mais bruscos mais à frente?
Ajustes mais agressivos podem gerar mais incertezas, mais movimentos exagerados e, portanto, mais risco à frente.
A ata da última reunião do FED foi mais um motivo de stress para os mercados. No documento foi divulgado que alguns dirigentes sugerem a intenção de começar a discutir uma redução da recompra de ativos nas próximas reuniões. Em situações normais, essa divulgação seria vista como saudável, por demonstrar a preocupação do banco central americano com uma inflação exagerada, dada a recuperação da economia dos EUA. No entanto, a leitura majoritária foi negativa em função do temor da retirada de estímulos.
Dados os exemplos citados, podemos esperar que indicadores que mostrem a economia americana mais fraca levem a reações positivas das bolsas. Da minha parte, fico mais tranquilo quando dados positivos são interpretados de maneira positiva e negativos de maneira negativa. É uma questão de perfil.
Finalizando e para deixar claro, esses pontos trazem a preocupação de alguém que investe e enxerga os investimentos como algo de longo prazo, que prefere crescimentos constante do que solavancos constantes.
Um abraço e até o próximo.