A Casa Branca anunciou um novo e significativo aumento nas tarifas sobre produtos chineses, elevando o total para expressivos 245%. Vale lembrar que, no início deste mês — quando esta nova fase da guerra comercial foi oficialmente desencadeada — o ex-presidente Donald Trump havia imposto uma tarifa inicial de 34% sobre a China, que, por sua vez, mantinha tarifas de quase o dobro, alcançando 67%.
Após suspender temporariamente a escalada de tensões com outros países por um período de 90 dias, Trump redirecionou sua estratégia, concentrando esforços exclusivamente na China, transformando essa disputa em um embate direto e multifacetado.
Entre as complexidades dessa batalha econômica está um ponto sensível e estrutural para os Estados Unidos: a gigantesca dívida pública americana, que ultrapassa os 36 trilhões de dólares.
Os chamados U.S. Treasury Bonds — títulos da dívida soberana americana — funcionam, de forma simplificada, como instrumentos de empréstimo ao governo dos EUA, que promete restituir o valor investido com juros futuros. Esses títulos são pilares da estrutura financeira global. Alterações em seus rendimentos afetam taxas de juros, decisões do Federal Reserve e o comportamento do mercado acionário internacional, uma vez que os “treasuries” de 10 anos servem de referência para financiamentos imobiliários, empréstimos corporativos e valuation de ações ao redor do mundo.
Embora o Federal Reserve (Fed) controle os juros de curto prazo, o mercado de bonds influencia decisivamente os juros de longo prazo. Quando há uma pressão vendedora significativa e os yields (rendimentos) sobem, o Fed se vê compelido a intervir comprando os títulos para evitar a instabilidade econômica — ação que, invariavelmente, exige uma ferramenta poderosa: o Quantitative Easing (QE), ou seja, a expansão da base monetária por meio da emissão de moeda.
É justamente esse instrumento que, segundo analistas, parece ser o grande trunfo pretendido por Trump neste momento. Independentemente da resistência formal do Fed, as pressões políticas são evidentes. Trump, inclusive, já deixou clara sua insatisfação com Jerome Powell, presidente da instituição, a quem chamou de "mole" e "lento". Ainda que não tenha autoridade direta sobre o banco central, Trump manifesta o desejo de substituí-lo. Após fortes rumores, inclusive que Trump já estaria em vias de tira-lo da presidência do Fed, Trump veio a imprensa e desmentiu, declarando que não irá faze-lo, entretanto declarou que, para ele, esse é o momento perfeito para que haja um corte de juros, já na próxima reunião do FOMC no início de maio, e não em junho como todos esperam.
A razão de tamanha atenção ao mercado secundário de bonds? A China, que já foi a maior credora externa dos Estados Unidos, hoje figura como a segunda maior detentora desses títulos, com cerca de 760 bilhões de dólares. Desde a pandemia, o país asiático tem reduzido sua posição, e agora ameaça, de forma mais agressiva, liquidar parte significativa desses ativos.
Essa estratégia — despejar títulos no mercado global — é, ao mesmo tempo, poderosa e arriscada. Caso a China opte por essa venda em massa, os preços dos títulos despencariam, elevando os rendimentos e desestabilizando os mercados. Entretanto, esse movimento também depreciaria os próprios ativos que ela ainda detém, colocando em risco sua própria estabilidade financeira, além de afetar toda a economia global da qual faz parte.
Neste contexto de incertezas, a relevância para o mercado de criptomoedas é notável. O ambiente macroeconômico — com perspectivas de cortes nas taxas de juros, possível retomada do QE e expansão da base monetária global (M2) — forma um cenário altamente propício para a valorização de ativos digitais. O M2 Global Supply tem se mostrado um dos indicadores com maior correlação com os ciclos de alta do Bitcoin, com estudos apontando uma precisão entre 80% e 90% quando aplicada uma defasagem de 108 dias. Este padrão sugere que um novo ciclo de valorização pode estar iminente.
Se existe uma metáfora que sintetiza o momento atual, é a do xadrez. Existem milhares de variações documentadas do jogo, mas na prática, suas possibilidades são infinitas — tal como a dinâmica desta guerra comercial em evolução.